A mudança na distribuição de receitas afeta a Rede, do Itaú, e a GetNet, do Santander, além de outras de menor porte. Mas o tema causa maior apreensão em relação à Cielo, empresa de capital aberto cujos controladores são Banco do Brasil e Bradesco. "Como fazer com que esse crescimento do valor na mão dos bancos não prejudique um minoritário da Cielo?", questiona um experiente analista para quem esse é um dos temas mais importantes no médio prazo.
Ao usar o cartão, a compra dispara a cobrança de algumas taxas para o lojista. A mais importante delas é a taxa de desconto (MDR, na sigla em inglês), cobrada do lojista pela dona da maquininha. Uma parte disso fica com as próprias credenciadoras e outra parte - a taxa de intercâmbio - é paga aos bancos emissores de cartões. Pela regra do jogo, quem estabelece o percentual que fica com os bancos são as bandeiras: Visa, Mastercard e Elo, com o objetivo de impulsionar a emissão de cartões.
Nos últimos anos, a fatia que fica com os bancos tem subido, respondendo a um movimento de sofisticação dos cartões emitidos. Ao mesmo tempo, a taxa total cobrada do lojista está em queda, especialmente em razão da concorrência entre as próprias credenciadoras, que desde o fim da exclusividade da Cielo com a Visa e da Redecard com Mastercard, em 2010, brigam para ganhar mercado.
Em relatório, o Credit Suisse indica que a taxa média cobrada de lojistas (o desconto) caiu de 1,58% em 2010 para 1,51% nas operações de débito. No crédito, caiu de 2,95% para 2,75%. Na divisão, no entanto, os bancos saem ganhando. Olhando só o crédito, da taxa média de 2,75%, 1,63% são do banco e os 1,12% restantes do adquirente. Há oito anos, da taxa de 2,96%, 1,35% ia para o banco e a credenciadora ficava com 1,61%.
São as bandeiras - Visa, Mastercard e Elo - que definem a taxa de intercâmbio a ser cobrada em cada tipo de cartão (básico, platinum etc.) e para cada tipo de estabelecimento, o que vale para todos os bancos. Quanto mais sofisticado o cartão, mais alta a taxa de intercâmbio.
Segundo o Credit Suisse, com base em dados do Banco Central (BC), os cartões do tipo premium representavam 3,7% do total no fim de 2008 e 11,2% no quarto trimestre de 2015; os intermediários eram 10,4% em 2008 e passaram a 16,6%; enquanto isso, os básicos caíram de 85,9% para 72,2% no período. A análise exclui a categoria "outros" e os cartões corporativos.
Flavio Yoshida, analista do Votorantim, reitera que, quanto mais premium o cartão, maior a taxa de intercâmbio paga aos bancos, sobrando menos espaço para as credenciadoras arbitrarem a sua parte. Embora o volume de transações tanto no crédito quanto no débito tenha sido atingido pelo desempenho econômico ruim, a tendência é de alta, diz. E isso pode compensar a redução de ganho com as taxas.
"O uso do cartão de crédito também tem espaço para crescer, então as coisas acabam se compensando. Ao mesmo tempo, quem tem [cartão] premium tende a gastar mais também, o que é positivo", diz o analista.
Para um executivo de uma credenciadora de cartões, o intercâmbio não precisaria obedecer a lógica do tipo de cartão emitido. "Nem todo país é assim", afirma. Segundo ele, há "ondas" de emissões de cartão mais sofisticados porque os bancos ganham com isso, o que é um ponto de atenção e "poderia ser revisto".
Para analistas, as credenciadoras buscaram outras fontes de receita para compensar ganhos menores com a taxa de desconto, como o aluguel de maquininha, que subiu muito nos últimos anos, e o pré-pagamento - a antecipação de recebíveis ao lojista. Segundo o BC, desde 2010 as despesas com aluguel de maquininhas subiram 65% (18% do custo médio de lojas que aceitam cartões).
Procurada pelo Valor, a Cielo afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que "encara as mudanças em curso na indústria brasileira de pagamentos eletrônicos como um movimento natural e esperado". A companhia disse ter se preparado para esse novo cenário, investindo em iniciativas para diversificar receitas e ter maior eficiência operacional. Como exemplo, mencionou a criação da Cateno, joint-venture com o Banco do Brasil que realiza o processamento das transações com cartões de débito e crédito da Ourocard.
O órgão regulador se mostra atento. Em depoimento ao Senado na semana passada, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, disse que está na agenda discutir questões ligadas à operação dos cartões, como taxas cobradas como percentuais nas vendas. Procurado, o BC informou não ter nada a acrescentar ao que foi dito no Senado.