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Publicado em 15/09/2016

TJ-SP libera passaporte de devedor (Valor Econômico)

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu habeas corpus a um empresário que, por não pagar o que deve a uma concessionária de veículos, teve suspensos o passaporte e a carteira de motorista. Relator do caso, o desembargador Marcos Ramos, da 30ª Câmara de Direito Privado, entendeu que a retenção dos documentos fere a Constituição Federal. Permanece mantido, no entanto, o bloqueio de todos os cartões de crédito do devedor.

A decisão que determinou a suspensão do passaporte, carteira nacional de habilitação (CNH) e todos os cartões do devedor foi proferida pela 2ª Vara Cível de São Paulo no começo do mês e a liberação estava condicionada ao pagamento da dívida. A juíza do caso, Andrea Ferraz Musa, considerou que, se o empresário não tinha dinheiro para arcar com o pagamento, não teria também como custear viagens internacionais, compras ou mesmo manter um veículo.

A determinação de primeira instância estava baseada em um dos mais polêmicos dispositivos do novo Código de Processo Civil (CPC). Trata-se do inciso 4º do artigo 139, que deu poderes quase que ilimitados aos juízes para a determinação de medidas que levem ao cumprimento de suas decisões. Na prática, pela abrangência do texto, a única exceção seria a prisão civil - permitida somente em casos de dívidas por pensão alimentícia.

O relator do recurso na 30ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP considerou, no entanto, que mesmo com a nova sistemática trazida pelo artigo 139, deve-se considerar que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal. "Que em seu artigo 5ª consagra o direito de ir e vir", afirma na decisão o desembargador Marcos Ramos.

No texto, ele dá destaque ainda para o artigo 8º do novo CPC. "Também preceitua que ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz não atentará apenas para a eficiência do processo, mas também aos fins sociais e às exigências do bem comum, devendo ainda resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, observando a proporcionalidade, razoabilidade e a legalidade", conclui.

O bloqueio dos cartões de crédito não foi analisado no recurso, por uma questão processual - habeas corpus é utilizado especificamente para casos de restrição de liberdade. O advogado que assina o pedido, Paulo Antonio Papini, do escritório Guilherme Di Lascio & Paulo Papini Advogados, afirma que entende a questão como ilegal e que, por meio de outro recurso, poderiam ser liberados os cartões.

Especialista na área, Heitor Sica, sócio do escritório Engholm Cardoso & Sica Advogados Associados, também vê boas chances de o devedor conseguir reverter o bloqueio dos cartões. Principalmente pelo fato de a decisão envolver um terceiro, que nada tem a ver com o processo.

"Não há nenhum tipo de previsão para que o juiz mande um terceiro, o banco neste caso, restringir o seu direito de celebrar contratos por conta de uma dívida que não é dele [instituição financeira]", afirma. O advogado acrescenta que a questão é completamente diferente dos casos de ordens dadas a terceiros com o intuito de auxiliar na solução de um litígio - como prestar depoimento ou entregar documentação. "Não é o caso aqui. O banco tem liberdade contratual."

O advogado Daniel Amorim Assumpção Neves, do Neves, Rosso e Fonseca Advogados, posiciona-se de forma favorável a essas medidas mais agressivas de cobrança. Ele chama a atenção, por outro lado, que o uso tem de estar relacionado a duas situações: quando todas as medidas convencionais foram aplicadas e mesmo assim os credores não conseguiram receber e há indícios de que o devedor está escondendo patrimônio para não pagar o que deve.

A situação descrita pelo advogado é semelhante ao caso concreto. O empresário tem uma dívida de cerca de R$ 250 mil com a concessionária de veículos e a ação tramita desde 2013 sem, até agora, nenhum valor pago. Na decisão da primeira instância consta que "todas as medidas executivas cabíveis foram tomadas, mas o devedor não apresentou nenhuma proposta nem cumpriu de forma adequada as ordens judiciais".

O pouco tempo de vida do novo CPC - seis meses - contribui para o "cabo de guerra" entre o direito do credor e os direitos fundamentais do cidadão, segundo o advogado Flávio Pereira de Lima, do escritório Mattos Filho. "Porque o direito está sendo construído. A fase é de exploração e o Judiciário vai ter que decidir até onde esse artigo pode ser utilizado."

Representante do credor no caso, o advogado Ricardo Collucci, sócio do escritório Bergamini & Collucci Advogados, afirma que respeita a decisão e considera natural que haja discussões sobre o caso. "Toda novidade traz uma carga de polêmica", pondera. "Essas medidas são para casos excepcionalíssimos. Desde que comprovada a má-fé do devedor e comprovado que ele oculta patrimônio, como é o caso dos autos. É isso que vamos mostrar ao desembargador. A empresa não teve a oportunidade de se manifestar."

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