FECHAR
No início do corrente mês, o mundo jurídico foi invadido por dezenas de comentário sobre a aplicação, por uma juíza de São Paulo, das medidas coercitivas elencadas no inciso IV do art. 139 do novo Código de Processo Civil, a saber (processos 4001386-13.2013.8.26.0011 e 0121753-76.2009.8.26.0011):
“Art. 139 - O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Com base em ocultação de patrimônio, a decisão foi assim fundamentada:
Assim, as medidas excepcionais terão lugar desde que tenha havido o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do débito, havendo indícios que o devedor usa a blindagem patrimonial para negar o direito de crédito ao exequente. Ora, não se pode admitir que um devedor contumaz, sujeito passivo de diversas execuções, utilize de subterfúgios tecnológicos e ilícitos para esconder seu patrimônio e frustrar os seus credores.
Se o executado não tem como solver a presente dívida, também não recursos para viagens internacionais, ou para manter um veículo, ou mesmo manter um cartão de crédito.
Se, porém, mantiver tais atividades, poderá quitar a dívida, razão pela qual a medida coercitiva poderá se mostrar efetiva. Assim, como medida coercitiva objetivando a efetivação da presente execução, defiro o pedido formulado pelo exequente, e suspendo a Carteira Nacional de Habilitação do executado MXXXXXXXXXXXXX, determinando, ainda, a apreensão de seu passaporte, até o pagamento da presente dívida.
Oficie-se ao Departamento Estadual de Trânsito e à Delegacia da Polícia Federal. Determino, ainda, o cancelamento dos cartões de crédito do executado até o pagamento da presente dívida. Oficie-se às empresas operadoras de cartão de crédito Mastercard, Visa, Elo, Amex e Hipercard, para cancelar os cartões do executado.
Ambas as decisões já foram devidamente cassadas pelo TJ-SP, mas a pergunta que fica é: o juiz tem este poder e, até quando podemos cercear o direito de ir e vir, em prol de uma cobrança de dívida?
A resposta é sim, a lei inovou no novo Código de Processo Civil, e o juiz tem, agora, poderes coercitivos, ou seja, de transformar a vida do devedor um inferno, que seja mais fácil ele paga o que deve que ficar ocultando o patrimônio.
Mas, para que tenha a validade, é necessária uma fundamentação, por evidente, uma correlação temática entre a medida adotada e sua efetividade em face ao processo, com fundamentação detalhada.
Exemplo: ao cancelar os cartões de crédito, o juiz pode solicitar, em sigilo, o Decred (Declaração de Operações com Cartões de Crédito) e visualizar as despesas, posto que podemos encontrar um uso soberbo em luxúria, ou ao contrário, modesto e para necessidades básicas em farmácias e médicos.
Idem com relação à CNH, se usada para conduzir veículos caros, em nome de terceiros (ocultados) ou, mesmo que nome de terceiros, um modesto veículo para trabalhar e levar os filhos na escola.
Isso porque a coerção deve ser usada para induzir a fazer alguma coisa que o devedor possa, de fato, realizar, e não como vingança particular ou cerceamento de liberdade por dívida civil.
Lamentavelmente o fato de existir uma dívida não significa que o devedor tenha condições de honrá-la, e só não o faz porque não quer.
Exatamente por isso, na qualidade de advogado de credores, por duas décadas, entendo que a medida deve ser usada com muita fundamentação e prova, para que não caia no vazio e torne-se uma medida vazia.
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.