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Antes de ingressarmos no foco do presente texto, façamos uma breve incursão sobre o conceito da nossa atividade que, entendo, seja de antecipação, independentemente da estrutura de capital, se fomento, securitizadora ou fundo de investimento. O ponto de toque de cada uma dessas estruturas é, exatamente, atuar na antecipação de recebíveis.
Crescimento artificial do mercado
Desde 2018, arrefecidos os efeitos da crise, identificamos uma curva ascendente de novos entrantes, e como tal, a injeção de novos recursos no setor.
Apenas para exemplificar, o mercado de fundos de investimento classificado como fomento comercial teve um saldo no patrimônio líquido de R$ 17,3 bilhões, registrado em março de 2019, para R$ 20,2 bilhões, em dezembro do mesmo ano, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
De outro lado, o Brasil perdeu um grande número de empresas, o que impactou negativa e significativamente no volume de recebíveis a serem adquiridos.
As novas empresas abertas, consolidando uma tendência mundial na relação de trabalho (e não de emprego) são, em sua maioria, geridas somente pelo dono (cerca de 73%), sem qualquer funcionário, ou seja, são microempresas que, pelo seu tamanho, não estão completamente dentro do radar das nossas operações.
Com o declínio da Selic, tivemos um fenômeno que marcou 2019: novos entrantes com uma enorme liquidez de um lado, posto que as promessas aos investidores superavam as expectativas de outros investimentos; e a escassez de recebíveis a serem adquiridos de outro. Resultado: o cedente passou a ditar quase todas as regras do mercado, comandando, inclusive, as taxas praticadas.
Não fosse isso, no afã de crescer, ou ao menos de manter o mercado, as operações aos poucos perderam a qualidade. As regras de crédito foram perigosamente flexibilizadas, enquanto a qualidade das operações, deixada de lado.
Ampliamos, perigosamente, a famosa “bicicleta”, e como nunca tínhamos visto antes, constatamos nossos cedentes operando com um número cada vez maior de antecipadores.
A conta passou a não fechar, e qualquer erro cometido poderia comprometer o resultado de um ano de trabalho, ou impactar consideravelmente no capital investido.
O especulador
Diante do cenário inicial, de enorme fluxo de recursos despejado no setor, lá em meados de 2018 novos especuladores entraram na disputa por um lugar ao sol, mesmo sem conhecimento do chão de fábrica, mas com o sonho de ficar com um bom spread.
O foco era, tão-somente o spread, pouco importando a regra, ou mesmo a régua de crédito.
Concentrações perigosas em setores que não permitem tal risco, setores sem futuro e mesmo documentos operacionais inconsistentes começaram a aflorar, terminando em demandas judiciais.
E finalmente, o profissional
A previsão era de enorme dificuldade para o setor neste ano de 2020, antes da pandemia. Com ela, a seleção natural apenas fica antecipada.
O verdadeiro profissional do setor, forjado por crises, erros, acertos e constante treinamento, sairá muito mais forte do que entrou.
A adaptação ao novo cenário (segundo Darwin, não será o mais forte, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adaptar é que sobreviverá), é necessária e deve ser feita de forma célere, considerando que o cenário é completamente diferente do que tínhamos em fevereiro de 2020.
As necessidades, os prazos médios e as taxas mudaram, e muito rapidamente.
Seria um alarde infundado dizer que setores inteiros desaparecerão, porquanto é uma afirmação escatológica demais. Setores demorarão muito mais que outros para retomarem as atividades, e este é um dos cuidados que devemos tomar.
Mas o empresário profissional sempre guardou alguns pilares fundamentais da atividade, como a esteira de documentos sempre azeitada, mas observada de perto; travas para as concentrações e, por evidente, a observância do setor de atuação do cedente, ampliando este olhar também para o fornecedor e o cliente do nosso cliente, consciente de que este ecossistema deve fazer sentido, do começo ao fim, e não somente focar-se nas taxas.
As oportunidades estão onde ninguém as vê. Não é o momento para arrojar ou especular, mas para observar, treinar e testar as novas oportunidades, de forma segura e consciente.
Então, o patrimônio do profissional não é, necessariamente, o recurso para operar, e sim, o conhecimento.
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.
(Republicado em 18/06/20. Publicado originalmente em 14/04/20)