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O tema é instigante, e em todas as palestras onde tenho a oportunidade de falar, sempre uso como exemplo de apetite ao risco as operações com fábricas de móveis planejados.
Não que este setor seja de risco específico, mas porque normalmente nos aproxima de forma perigosa do consumidor final, fato que acaba levando órgãos de defesa do consumidor a tangenciar a operação.
Devemos nos lembrar que a nossa atividade é de fomento mercantil, ou seja, negócios realizados entre dois empresários, seja indústria, comércio ou afins, e por isso devemos evitar ao máximo o contato com o consumidor final, exatamente para não entrarmos nesta “dividida”.
Então, ambos os casos recentes do nosso TJ-SP tratam sobre o mesmo tema, ou seja, operação com cheques para a compra de móveis planejados que, por evidente, não foram entregues.
Vejamos as diferenças:
Apelação nº |
1051232-90.2017.8.26.0114 |
1013922-58.2018.8.26.0100 |
Ementa |
Ação declaratória cumulada com indenizatória - cheques - autor - emissão - propósito - pagamento de serviços de marcenaria - sustação por desacordo comercial - títulos - transmissão à empresa de factoring - cessão - natureza civil e não cambiária - cártulas - inexigibilidade autor - nome - inscrição do nome nos órgãos cadastrais - réu - má prestação do serviço - dano moral - configuração - ofensa a direito da personalidade - valor - fixação - observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade - art. 8º do CPC. Apelo do autor provido. |
Ação declaratória de inexigibilidade de cheques c.c. indenizatória fundada em contrato de compra e venda de móveis planejados. Hipótese em que não se vislumbra responsabilidade da empresa de factoring, endossatária de boa-fé dos cheques, pelo inadimplemento contratual imputado à endossante, vendedora dos móveis. Impossibilidade da autora, emitente dos cheques, de opor à ré exceções pessoais que teria contra a endossante. Exegese do art. 25 da Lei nº 7.357/85. Recurso provido, rejeitada a preliminar. |
Decisão |
Em 20/4/2017, o autor firmou contrato com XXX visando à fabricação e instalação de armários. Emitiu cinco cheques pós-datados no valor de R$ 500,00. A prestação dos serviços não se efetivou, o que o motivou a sustar as cártulas. É incontroverso o desacordo comercial, fato não negado na contestação, que se restringe a afirmar que é portador de boa-fé e que o inadimplemento contratual não lhe pode ser direcionado. Contudo, os títulos foram recebidos mediante contrato de factoring. Há indicativo, conforme certidão de protesto, de que a favorecida é XX Factoring, iniciais dos nomes do réu. Antes de aceitá-los era necessário que aferisse a higidez do negócio subjacente. Assumiu os riscos da atividade. Incabível se amparar na inoponibilidade das exceções pessoais porquanto a transmissão se dá por ato civil e não cambiário. Trata-se de operação que objetivou à obtenção de crédito. Os títulos são inexigíveis. |
De início, anote-se que a ré não participou da relação jurídica entre a autora e a loja vendedora de móveis. Assim, inexistindo prova nos autos de que os títulos de crédito foram adquiridos de má-fé pela ré-endossatária, ela não pode ser responsabilizada pelo inadimplemento contratual imputado à vendedora de móveis-endossante. Melhor explicando, não é oponível à endossatária as exceções pessoais que a autora teria contra a endossante, nos termos do art. 25 da Lei nº 7.357/1985. Aliás, a autora nem sequer menciona nos autos que os cheques foram adquiridos de má-fé pela ré. A pretensão da autora está fundada, exclusivamente, na ausência de entrega do produto pela loja de móveis. Ocorre que o inadimplemento contratual da vendedora de móveis não é suficiente para descaracterizar a autonomia, abstração e literalidade do título, bem como para transformar a relação existente entre ela e a ré, empresa de factoring, em uma simples cessão de crédito, como concluiu a sentença. |
Necessário referir que as decisões foram publicadas com um dia de diferença, sendo, por evidente, de Câmaras diferentes.
Inegável que o acompanhamento jurídico do caso é fundamental, mas convenhamos, nem o mais experiente operador do direito garantirá que, numa decisão judicial, o elemento “sorte” está completamente afastado.
Isso porque não podemos escolher quem julgará nosso processo. Esta é uma demonstração da necessidade de aprofundamento das decisões, em especial para a segurança jurídica necessária ao investidor.
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.
(Publicado em 28/11/19)