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Nesta terceira parte, veremos como uma duplicata pode ser emitida (e negociada, sendo endossada, avalizada e aceita) pelo meio digital.
Com o avanço da técnica, albergada pela MP 2.200-2/2001, tornou-se possível a geração de documentos digitais, ou seja, um arquivo digital gerado em um computador ou periférico, que também contenha um resumo de seu conteúdo (hash) e a identificação de seu autor (certificado digital).
O documento digital é criado, repita-se, pela via dos códigos binários e certificação digital, nos termos do art. 1º da MP 2200-2/2011:
Art. 1o - Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.
Viável a geração de um documento de crédito que possa, inclusive, ser impresso, observando o rigor cambial da Res. 102/1968-CMN, e a assinatura de todos os presentes, necessários ou não, tais como o emitente, o endossante, o aceitante e o aval, cada qual lançando no documento digital a sua assinatura, seguindo as regras do ICP-Brasil, ou seja, mediante assinatura com certificação digital.
E quanto aos princípios da cartularidade, literalidade e independência, grosso modo e de forma absolutamente sintética, vejamos o que fala o renomado doutrinador Fabio Ulhoa Coelho, que colocou uma pá de cal sobre o tema:
Temos três situações diferentes: um princípio desaparece, outro deve ser ajustado e o terceiro continua em pleno vigor.
O princípio da cartularidade é o que perde todo o sentido, quando se trata de um título de crédito eletrônico.
Não há nada que se possa assemelhar à posse do papel em relação ao arquivo eletrônico.
Como, porém, o meio eletrônico facilita enormemente o arquivamento dos registros referentes à circulação do crédito, a cartularidade não faz falta.
A literalidade deve ser adaptada. Em sua formulação original, afirma que só produzem efeitos cambiários o que consta do teor da cártula; agora, devemos ajustar seu enunciado no sentido de que só produzem efeitos cambiários o que constar do registro eletrônico atinente ao título. "O que não estiver no registro eletrônico, não está no mundo".
Por fim, o princípio da autonomia continuaria sendo plenamente aplicável.
Seja documentada em meio papel ou em meio eletrônico, a obrigação cambial circula sempre de forma independente e autônoma das anteriores.
E o movimento dos títulos pelo ambiente eletrônico, evolução lógica do ambiente físico, é muito bem interpretado por Edson Aires dos Anjos Junior e Rubia Carneiro Neves in Atualização Jurídica da Negociação Eletrônica de Créditos no Brasil, na Revista da Procuradoria Geral do Banco Central do Brasil, v.10, nº 1, junho/2016, p. 22:
Os atributos de cartularidade, literalidade e autonomia perfazem o conjunto de princípios que caracterizam o regime jurídico do Direito Cambial, que se estruturou como ramo especial em consequência de adaptação das regras centrais ao Direito das Obrigações.
Quando não havia computador, softwares, internet, sistema integrado de pagamento e circulação escritural e eletrônica de créditos, o Direito Cambial constituía um regime jurídico ágil e seguro para promover a circulação de crédito.
Entretanto, hoje, ele não é mais o único regime especial que oferece arcabouço jurídico para regulamentar a negociação de direitos de crédito. Nos últimos dez anos, o Brasil criou diversos títulos que podem ser emitidos como cártulas regidas pelo Direito Cambial, mas cujos créditos nelas mencionados podem ser negociados escritural e eletronicamente em sistemas de registro, liquidação e custódia, e, ainda, criou outros títulos cujos créditos somente podem ser negociados sob a forma escritural.
Essa mudança tem promovido o financiamento privado de relevantes setores da economia, como o agronegócio e o setor imobiliário, para os quais, registre-se, o crédito a eles destinado costumava ser prioritariamente proveniente de financiamento público.
Mas e se for contestado o titulo, por causa da sua forma digital?
Então devemos aplicar o princípio da equivalência funcional!
Ora, a UNCITRAL - Comissão das Nações Unidas para o Direito Mercantil Internacional, em 1996 (reformada em 1998), aprovou a chamada Lei-Modelo, que versa sobre o comércio pelo ambiente eletrônico.
E um dos princípios basilares desta lei é o da equivalência funcional, ou seja, se o meio digital é suficiente para atender todas as demandas que se espera de um determinando documento, titulo ou negócio, não se pode negar a validade jurídica do título tão-somente porque está no meio digital.
Este princípio é também chamado de não discriminação, nos termos do art. 5º da dita Lei-Modelo “não se negarão efeitos jurídicos, validade ou executividade à informação tão-somente pelo fato de se encontrar na forma de mensagem de dados”.
Muito bem, já sabemos como fazer, agora fica a pergunta: quem pode fazer?
O SINFAC-SP possui uma vasta rede de conveniados que atuam na área da tecnologia da informação, e pode ser contatada para tanto, gerando o documento digital (e não digitalizado) para atender à sua demanda.
Na próxima, veremos o que o Judiciário entende sobre o tema!
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.
Texto publicado em 07/03/2017