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Publicado em 03/10/2023
Por Alexandre Fuchs das Neves
Em recente julgado (REsp 2.070.073), a ministra Nancy Andrigi entendeu que “apesar de recursos como e-mail e mensagens de texto via celular representarem um importante avanço tecnológico, o entendimento doutrinário e a Súmula 404 do STJ exigem que a notificação seja realizada mediante envio de correspondência ao endereço do devedor”.
Para a ministra, o consumidor é a parte vulnerável na relação de consumo. Nesse contexto, ela assinalou que as regras jurídicas que limitam direitos devem ser interpretadas restritivamente, motivo pelo qual “não há como se admitir que a notificação do consumidor seja realizada tão somente por simples e-mail”.
“Admitir a notificação, exclusivamente, via e-mail representaria diminuição da proteção do consumidor – conferida pela lei e pela jurisprudência desta corte –, caminhando em sentido contrário ao escopo da norma, causando lesão ao bem ou interesse juridicamente protegido”, diz Nancy Andrighi (1).
Este entendimento vem ao contrário da modernidade, considerando que o arcabouço legislativo determina a notificação por escrito – e um e-mail é uma correspondência eletrônica escrita.
Ademais, a Súmula 404 STJ já afastou a necessidade de notificação por aviso de recebimento: é dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros.
E, contrário senso, atualmente temos os e-mails registrados que geram auditoria e podem trazer assertividade no que se refere à entrega e ao recebimento da correspondência. Ainda no que se refere à modernidade, em plena era de inclusão digital, na qual temos mais aparelhos de celulares que pessoas em idade produtiva, é desmedido esse passo atrás.
No total, são 249 milhões de aparelhos, segundo pesquisa da FGV. O Brasil tem uma média de 2,2 dispositivos digitais por habitante. Ainda, 90% dos lares brasileiros já tem acesso à internet no Brasil, aponta pesquisa. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, isso significa 65,6 milhões de domicílios conectados, portanto, 5,8 milhões a mais do que em 2019 (2).
Isso sem falar que o consumidor pode declinar seu “endereço eletrônico” nos contratos de consumo, lembrando que, normalmente, o endereço de e-mail é ligado as nossas vidas de maneira intrínseca, posto que podemos mudar de endereço físico, de norte a sul, lesta a oeste, mas, dificilmente, mudaremos de endereço (domicílio) eletrônico.
Não fosse tudo o suficiente, ainda contamos com lentos, mas valiosos progressos no Processo Civil, com a citação a ser feita por e-mail, privilegiando esta modalidade em detrimento do arcaico e quase medieval desenho de citação por oficial de justiça.
Não fosse o suficiente, muito mais célere e seguro o meio eletrônico com certificação, ou seja, o e-mail registrado, que uma simples correspondência entregue no endereço do devedor, considerando a presunção que ele a receba.
De outra banda, devemos observar a questão de fundo: o meio de notificar o devedor é fato gerador da desconstituição da dívida? Salvo melhor sorte, nos parece que não. Estamos falando apenas da notificação do devedor, e não da nulidade da dívida por eventual fraude ou outros incidentes que nos permitam ou autorizem concluir que o valor não é devido.
Noutras palavras, o julgado em comento prestigia mais a forma que o conteúdo, sendo um desfavor para a comunidade de crédito, posto que acaba por eclipsar o real motivo - questão de fundo: a existência de uma pendência financeira não resolvida.
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo e da ABRAFESC.