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A Lei Complementar nº 167/2019 traz uma limitação no valor das operações desta modalidade de negócio, conforme deixa claro o art. 2º, § 3º: O valor total das operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito da ESC não poderá ser superior ao capital realizado.
Apenas pelo gosto da discussão, as regras contábeis não usam, na sua fraseologia técnica, o termo “capital realizado” e sim “capital integralizado”.
E, por evidente, o mais adequado seria o uso do instituto do “patrimônio líquido” e não do “capital realizado”.
Vejamos a diferença entre ambos: “Verifica-se, por conseguinte, que o capital é um valor formal e estático, enquanto o patrimônio é real e dinâmico. O capital não se modifica no dia-a-dia da empresa – a realidade não o afeta, pois se trata de uma cifra contábil. O patrimônio encontra-se sujeito ao sucesso ou insucesso da sociedade, crescendo na medida em que esta realize operação lucrativas, e reduzindo-se com os prejuízos que se forem acumulando. O patrimônio inicial da sociedade corresponde a mais ou menos o capital. Iniciadas as atividades sociais, o patrimônio líquido tende a exceder o capital, se a sociedade acumular lucros, e a inferiorizar-se, na hipótese de prejuízos.”[1]
Pouco ou nada razoável ao empresário da ESC, quando tiver sucesso na sua operação e acumular lucros, ter que fazer as manobras contábeis e alterações societárias frequentes para manter sua atividade, até então, dentro do capital social realizado, quando podemos aferir o crescimento de uma empresa pelo seu patrimônio líquido.
Assim, pelos rigores da lei, restam apenas três alternativas: novo aporte dos sócios ou ingresso de novos sócios e respectivos aportes; distribuição de resultados e posterior aporte na empresa; o uso do chamado AFAC.
O AFAC – Adiantamento para Futuro Aumento de Capital Social é um documento simples e feito entre os sócios. Deve ser ajustado na primeira alteração contratual ou no prazo de 120 dias [2]
Normalmente é usado para aportes emergenciais, ou aumentos escalonados do capital social.
No caso da ESC – Empresa Simples de Crédito, tais aportes:
- Podem ser feitos por um ou todos os sócios, de forma igual ou proporcional – sendo desigual, implicará na alteração das cotas de cada sócio
- Devem ser feitos com cláusula expressa e irretratável sob pena de ser considerado mútuo – o que é proibido e considerado crime na atividade.
- Devem prever o prazo para a realização da alteração do contrato social
O lançamento contábil é em conta de adiantamento para futuro aumento de capital, dentro do “patrimônio líquido” – após o “capital social”, segundo o Conselho Federal de Contabilidade – Resolução 1.159/2009, quando da aprovação do comunicado técnico CTG 2000, itens 68-69.
Cabe rememorar que o AFAC deve ser irreversível, e assim declarado no seu documento de constituição, sob pena de ser considerado mútuo, infringindo a regra basilar da Lei Complementar nº 167/2019, qual seja, operar somente com recursos próprios.
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[1] BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 12ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 68
[2} Esse entendimento vem ancorado no Parecer Normativo do Coordenador do Sistema de Tributação CST nº 17/1984, nos itens a seguir:
7. Contudo, não se pode admitir que tais recursos fiquem indeterminadamente aguardando a capitalização pretendida, fazendo-se necessário definir um prazo máximo para o cumprimento das finalidades a que se destinem.
7.1- Entendemos como razoável que o aumento de capital seja realizado por ocasião do primeiro ato formal da sociedade coligada, interligada ou controlada, que ocorra imediatamente após o recebimento dos recursos financeiros, seja Assembleia Geral Extraordinária (AGE), para as sociedades por ações, ou alteração contratual, para as demais sociedades.
7.1.1 - Não ocorrendo um daqueles eventos previstos em 7.1, o prazo máximo de tolerância será de até 120 (cento e vinte) dias contados a partir do encerramento do período-base em que a sociedade coligada, interligada ou controlada tenha recebido os recursos financeiros.
7.2 - Na hipótese em que se verifiquem adiantamentos no curso de um período-base e, após o seu encerramento, outros adiantamentos no período-base seguinte, antes da ocorrência de um dos eventos previstos em 7.1 ou de excedido o prazo fixado em 7.1.1, a capitalização deverá abranger, também, esses últimos valores transferidos pela investidora.
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.
(Publicado em 25/08/20)