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Recentemente a categoria foi agraciada com um belíssimo e concorrido evento no Superior Tribunal de Justiça, onde foi debatida, dentre outros temas, a aplicação do endosso no contrato de factoring. Todos os palestrantes foram brilhantes nas suas explanações e na defesa dos seus entendimentos.
Porém, aos que entendem ser aplicável a regra do endosso na atividade, assim como refutar a absurda ideia de que factoring assume risco - tanto pelo vício quanto pela inadimplência, faltou rememorar as palavras do ministro Humberto Gomes de Barros, em decisão atemporal no seu voto como relator, no Resp. 992.421-RS.
Transcrevemos as suas palavras, que são claras e cristalinas, livres de qualquer carga negativa com relação ao setor:
Ocorre que o direito brasileiro não incorporou o contrato de factoring como um contrato típico.
Não há regulamentação legal da atividade.
Assim sendo, a fim de que se preserve o império da Lei, a relação existente entre os envolvidos num contrato de factoring deve ser regida pelas normas pertinentes aos fatos que materializam tal relação.
Vale dizer: se a faturizadora recebe o título de crédito por endosso, aplicam-se as normas referentes ao título e ao endosso.
Embora rica a doutrina sobre o factoring no Brasil, ela parte de premissa incontestável: inexistência de norma específica. Tudo quanto se escreve em sede doutrinária tem base em ordenamentos estrangeiros ou, quando muito, em sugestões legislativas.
Essa, contudo, não é a atividade do magistrado.
Cabe a ele valer-se do direito comparado apenas quando o ordenamento pátrio for omisso ou lacunoso.
E o ministro Humberto, numa visão clara de que a empresa de fomento fica inteiramente “nas mãos” do emitente do título, pela boa-fé, avança sobre o tema, entendo que, quem recebe o título por endosso e terceiro de boa-fé, que sequer tem o dever de confirmar o negócio subjacente havido:
Pouco importa se o título tinha ou não causa de emissão. Essa circunstância escapa ao controle do endossatário, que negocia diretamente com o endossante, não com o sacado.
Não me convence o argumento de que cabe ao endossatário exigir do endossante a documentação que comprove a regularidade da relação jurídica originária, ou seja, exigir, com a duplicata, os documentos que comprovem a entrega das mercadorias ou a prestação do serviço.
Primeiro, porque essa alegação é de natureza pessoal entre sacador e sacado. O terceiro endossatário não pode ser envolvido nessa discussão (princípios da autonomia, abstração e cartularidade - Art. 25 da Lei 5.474/68 c/c Art. 17 da LUG).
Depois, porque não há norma que obrigue o terceiro endossatário a exigir a documentação comprobatória da regularidade do negócio jurídico originário.
E finalizando, com pá de cal sobre o tema, sem lei, sem assunção de risco, devendo ser aplicado o endosso:
Nossa Constituição Federal consagra, dentre as garantias individuais, o princípio da legalidade (ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei - Art. 5º, II, da CF/88).
Impor ao endossatário obrigação de fazer algo que não consta de Lei é ignorar a garantia constitucional citada! Vale dizer: trata-se de exigência inconstitucional.
Em resumo: por ausência de regulamentação legal específica, o contrato de factoring estabelecido entre endossante e endossatário não afasta a aplicação das normas legais pertinentes aos fatos que os envolvem. Ainda que motivada por contrato de factoring, se a transmissão da duplicata se deu por endosso, aplicam-se os Arts. 13, § 4º, da Lei 5.474/68, e 25 da mesma Lei, combinado com o Art. 17 da LUG.
Certamente o saudoso ministro Humberto faz enorme falta ao Judiciário, e na ausência de comentários sobre seus famosos e, particularmente, centrados julgados, fica esta pequena homenagem, lembrando mais uma vez as suas palavras: “devemos prestar mais atenção nas Leis.”
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.
Texto publicado em 21/03/2017