O perigoso rumo que o Judiciário está dando aos credores extraconcursais que operam com empresas em recuperação judicial

Publicado em 24/08/2023

Por Alexandre Fuchs das Neves

A regra sempre foi uma só: os créditos existentes – mesmo que vincendos, após a data do pedido de recuperação judicial, estão relacionados no pedido, e os créditos posteriores são extraconcursais e não dependem, ou ao menos não dependiam, da recuperação, considerando a “vida nova” da empresa.

Recentemente tínhamos este entendimento:

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Penhora de faturamento da devedora, em recuperação judicial. Indeferimento reformado. Crédito extraconcursal. Fomento mercantil concedido à devedora após o ajuizamento do pedido de recuperação. Possibilidade, por ora e no caso, de penhora de faturamento. Inteligência dos art. 655 e 620 do CPC. Tentativa infrutífera de localização de outros bens. Penhora em percentual mínimo, 5% do faturamento. Recurso provido. (Relator(a): Teixeira Leite; Comarca: Mauá; Órgão julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do julgamento: 03/02/2016

Note-se que o Julgado acima, do TJSP, permitiu a penhora de 5% do faturamento de uma empresa em recuperação judicial, para atender crédito extraconcursal, ou seja, crédito que não estava elencado na recuperação judicial, exatamente por ser posterior ao pedido.

Inobstante, vivemos dias de insegurança jurídica, porquanto agora o entendimento, alterado pelo Judiciário, coloca na responsabilidade do Juiz da recuperação judicial o poder de determinar o prosseguimento de uma execução contra a recuperanda, por dívidas assumidas após o pedido de recuperação judicial, ou seja, atualmente para o Judiciário, a “vida nova” da empresa, e seus novos credores constituídos após o pedido de recuperação judicial acabam entrando, indiretamente, no mesmo “cesto”, senão vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Cumprimento de sentença – Honorários advocatícios – Magistrado que rejeitou a impugnação ao cumprimento de sentença da executada/agravante, deferindo o pedido de bloqueio de ativos financeiros da devedora – Razoabilidade – Crédito que possui caráter extraconcursal – Cabe asseverar, contudo, que atos expropriatórios concretos devem ser submetidos ao juízo da recuperação judicial, em homenagem ao princípio da preservação da empresa – Sem fixação de verba honorária – REsp 1.134.186/RS – Recurso improvido, com observação. (TJSP; Agravo de Instrumento 2177514-03.2023.8.26.0000; Relator (a): Lígia Araújo Bisogni; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro de Piracicaba - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/08/2023; Data de Registro: 17/08/2023)

Deste jugado tiramos comentários:

A propósito:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSOESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO EXTRACONCURSAL. EXCLUSÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃOJUDICIAL E DE SEUS EFEITOS. CONTROLE DOS ATOS EXPROPRIATÓRIOSPELO JUÍZO UNIVERSAL DA RECUPERAÇÃO. CONSONÂNCIA DOACÓRDÃO RECORRIDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA83/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO ENEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

O crédito extraconcursal, constituído depois de ter o devedor ingressado com o pedido de recuperação judicial, está excluído do plano e de seus efeitos (Lei 11.101/2005, art. 49, caput). Porém, como forma de preservar tanto o direito creditório quanto a viabilidade do plano de recuperação judicial, o controle dos atos de constrição patrimonial relativos aos créditos extraconcursais deve prosseguir no Juízo universal. Precedentes.

O entendimento adotado no acórdão recorrido coincide coma jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 3. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada, e, em novo exame, conhecer do agravo para negar provimento ao recurso especial.” (AgInt no AREsp n. 1.784.740/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 8/8/2022). “AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO

ESPECIAL. MEDIDAS DE CONSTRIÇÃO DO PATRIMÔNIO DA EMPRESA. CRÉDITOEXTRACONCURSAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃOJUDICIAL. AGRAVO PROVIDO E RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

Em que pese o crédito de natureza extraconcursal estar excluído do plano de recuperação e seus efeitos, a jurisprudência desta Corte tem entendido que, como forma de preservar tanto o direito creditório quanto a viabilidade do plano de recuperação judicial, o controle dos atos de constrição patrimonial relativos aos créditos extraconcursais deve prosseguir no Juízo universal.

Agravo PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Agravo de Instrumento nº 2177514-03.2023.8.26.0000 -Voto nº 49229 4 interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer do agravo para prover o recurso especial.” (AgInt no AREsp n. 1.975.131/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em29/3/2022).

Segue o Relator, alegando que “Por conseguinte, embora não seja o caso de suspensão da execução até a sentença definitiva do encerramento da recuperação judicial, a solução mais adequada consiste na imediata ciência do juízo recuperacional, acerca de medidas constritivas que vierem a ser implementadas, a fim de que delibere sobre a manutenção, revogação ou modulação da medida deferida na execução individual.

Ainda, no mesmo voto:

A jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça não discrepa: “Recuperação judicial Pedido de declaração de limitação de restrição de persecução de bem Ação de busca e apreensão convertida em ação de execução - Crédito extraconcursal - Reconhecida competência do Juízo recuperacional para deliberar acerca da constrição de bens de forma individualizada Ausência da consecução de um bloqueio efetivo de fundos bancários a partir da execução referida pela recorrente (Processo 1001774-68.2020.8.26.0286) Inviabilidade da emissão de uma ordem prévia e tendente à limitação da atuação do credor Conjugação da Súmula 480 do STJ, necessária a análise individual e pontual de constrições, conforme requerimentos específicos - Decisão mantida Recurso desprovido.” (TJSP; Agravo de Instrumento 2114724-80.2023.8.26.0000; Relator: Fortes Barbosa; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do Julgamento: 04/08/2023, g.n.).

“Execução por quantia certa Empresa executada em recuperação judicial Crédito extraconcursal Decisão interlocutória que determinou o bloqueio de eventuais recebíveis dos agravantes Pedido de reforma em relação à empresa agravante Cabimento - Caso em que, mesmo em se tratando de execução de crédito extraconcursal, não sujeito ao regime da recuperação judicial, os atos de constrição devem ser submetidos ao juízo da recuperação judicial, sob pena de inviabilizar a retomada do equilíbrio financeiro da empresa recuperanda - Precedentes do STJ e do TJSP - Agravo provido em PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Agravo de Instrumento nº 2177514-03.2023.8.26.0000 -Voto nº 49229 5 parte, com observação.” (TJSP; Agravo de Instrumento 2039603-17.2021.8.26.0000; Relator: José Marcos Marrone; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 26/01/2022, g.n.).

Com a devida vênia, “modular” os efeitos de uma execução, de dívida contraída após o pedido de recuperação judicial, e colocando toda a responsabilidade, e por que não?, vênia concessa, a arbitrariedade, sob os auspícios e deliberação do Juízo da recuperação judicial, é gerar insegurança jurídica ao investidor ou fornecedor de produtos, mercadorias e mesmo recursos novos (fresh money) .

A regra é – ou deveria ser – clara: o extraconcursal segue vida em separado do que foi “empacotado” no plano, e assim deveria ser tratado.

Contudo, com estas novas e arbitrárias decisões, ainda com a vênia concedida, parece que o Judiciário mais impede novos investimentos para a recuperanda, que os incentiva, por criações jurisprudenciais que contrariam o espírito do Legislador de 2005 ( Lei 11.101/05) , ao segredar, como uma verdadeira “chinese wall”, o que esta e o que não está na recuperação judicial, e a capacidade da recuperanda em pagar seus novos credores, afastando, assim, a comunidade de novos investidores que, ao contrário do esperado, acabam por se afastar da crise, justa e exatamente pela insegurança jurídica e sua morosidade.

 

Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo e da ABRAFESC.

 

 

 

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