PAGAMENTO ANTECIPADO DO CONTRATO DE MÚTUO OU FINANCIAMENTO. DIREITO DO MUTUÁRIO AO DESCONTO PROPORCIONAL

O tema é extremamente atual, e gera uma série de dúvidas sobre o direito do mutuário em ter desconto proporcional dos juros contratados, em caso de pagamento antecipado das parcelas.

Iniciamos pelo conceito de juros remuneratórios, que pagos com a finalidade de remunerar o empréstimo, por determinado período de tempo, de uma quantia de uma pessoa física ou jurídica para outra.

Note-se o elemento “tempo”, ou seja, se o mutuário está devolvendo antes do tempo contratado, não existe mais fundamento jurídico para a cobrança do encargo. Ademais, o mutuário tem o direito de ter a redução proporcional, nos termos da Lei nº 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor:

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

....

§ 2º É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.

Então, com ou sem cláusula contratual expressa, tem o mutuário o direito da redução proporcional dos juros e demais acréscimos, em caso de pagamento antecipado das parcelas contratadas.

Importante remeter ao entendimento do TJ-SP sobre este tema (existência ou não de cláusula contratual), que também avança sobre outras questões que são objeto do presente:

Consumidor. Obrigação de fazer. Pretendida a concessão de desconto proporcional em razão da solicitação de quitação antecipada do débito. Negativa do réu alegando, em síntese, que o contrato firmado não dispõe sobre descontos por antecipação e que tal condição foi plenamente informada à época da contratação, essa a razão pela qual sustentou preliminar de falta de interesse processual da autora. Sentença que julgou procedente o pedido inicial, para condenar o requerido a conceder o desconto proporcional dos juros pela antecipação dos pagamentos, fixando-lhe a obrigação de apresentar planilha atualizada no prazo de 15 (quinze) dias, com determinação de encaminhamento dos autos à Contadoria, para averiguação do 'quantum' apresentado. Recorre o banco repisando teses de defesa. Diante do interesse da autora na liquidação antecipada do contrato, cabível a redução proporcional dos juros e demais encargos, conforme disposto no art. 52, § 2º, do CDC. Com efeito, é dever jurídico do fornecedor (no caso específico, instituição financeira) informar ao consumidor, quando por ele solicitado, o valor que lhe é devido, sem se descuidar de observar a legislação consumerista, a qual prevê ser assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos, sendo irrelevante, portanto, qualquer omissão ou vedação contratual neste sentido, não se admitindo ofensa à legislação protetiva do consumidor. Sentença incensurável. Manutenção por seus próprios e jurídicos fundamentos. Recurso desprovido. Condenação do réu, ora recorrente, ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 20% do valor atualizado da condenação, que equivale, no caso, ao valor a ser obtido para fins de liquidação antecipada do contrato". (TJ-SP - RI: 00005483820188260602 SP 0000548-38.2018.8.26.0602, Relator: Mario Mendes de Moura Junior, Data de Julgamento: 27/08/2018, 4ª Turma, Data de Publicação: 27/08/2018)

Não é demais lembrar que, em recebendo agora, uma parcela que somente teria direito a receber futuramente, remunerar-se pelo tempo suprimido pode ser considerado locupletamento indevido, nos termos do Código Civil, no seu art. 884: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”

Ademais, o SEBRAE, que nos termos da Lei Complementar nº 167/2019, tem a missão institucional prevista no art. 10: “O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) poderá apoiar a constituição e o fortalecimento das ESCs”.

Seu posicionamento é claro, nos termos da cláusula contratual disposta em seu site.

O Empréstimo poderá ser pago antecipadamente para a Contratada Mutuante por opção do Contratante Mutuante aplicando-se a redução proporcional utilizando-se a mesma taxa de juros contratada.

A jurisprudência é pacífica neste sentido, senão vejamos uma breve compilação:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA DE FINANCIAMENTO. DESCONTO PROPORCIONAL DOS JUROS. COBRANÇA DE TARIFA POR ANTECIPAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PREVISÃO LEGAL. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. UNÂNIME. 1. AO EFETUAR O PAGAMENTO ANTECIPADO EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, O CONSUMIDOR TERÁ DIREITO A DESCONTO DE JUROS E DEMAIS ACRÉSCIMOS LEGAIS APLICADOS AO CONTRATO, PROPORCIONAL AO PERÍODO DE ANTECIPAÇÃO DE CADA PARCELA VINCENDA. 2. É ILEGAL A COBRANÇA DE TAXA PELO ADIMPLEMENTO ANTECIPADO DO FINANCIAMENTO, MESMO QUE PREVISTA EM CLÁUSULA CONTRATUAL OU QUALQUER OUTRO DISPOSITIVO LEGAL QUE CONTRARIE DISPOSITIVO DE LEI ORDINÁRIA. 3. AGRAVO PROVIDO. UNÂNIME (TJ-DF - AGI: 20080020020671 DF, Relator: JOSÉ GUILHERME DE SOUZA, Data de Julgamento: 03/09/2008, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: DJU 13/10/2008 Pág.: 73)

APELAÇÃO CÍVEL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESCONTO PROPORCIONAL DOS JUROS NAS PARCELAS PAGAS ANTECIPADAMENTE. DIREITO DA PARTE AUTORA RECONHECIDA EM SEDE DE AGRAVO INTERNO INTERPOSTO CONTRA A DECISÃO MONOCRÁTICA QUE JULGOU A APELAÇÃO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70042893339, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Léo Romi Pilau Júnior, Julgado em 13/12/2012) (TJ-RS - AC: 70042893339 RS, Relator: Léo Romi Pilau Júnior, Data de Julgamento: 13/12/2012, Décima Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 23/01/2013)

Aos mais atentos, é bem de notar que o julgado, cuja ementa foi acima transcrita, do TJ-DF, igualmente entendeu por ilegal a contratação de tarifa, para os fins da antecipação dos valores devidos.

Inobstante, tal determinação do TJ-DF somente vem ao encontro da vedação contida na Lei Complementar nº 167/2019, que veda a ESC de cobrar qualquer tipo de tarifa.

Por final, é bem de explicar que estamos falando de juros nos contratos de empréstimo e financiamento. Contudo, no contrato de desconto de títulos de crédito também é possível que o mutuário peça para liquidar as parcelas contratadas, e que venha a obter o mesmo benefício do desconto proporcional.

Mas, ao sacado do título não cabe tal direito, ao contrário, o credor somente está obrigado a receber na data do vencimento.

Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.

(Publicado em 15/12/20)                

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