FECHAR
De acordo com António Saraiva, presidente da Confederação Patronal de Portugal, “as empresas não precisam de mais endividamento mas antes de tesouraria que lhes permita fazer face aos compromissos no curto prazo e manter os empregos em termos duradouros”.
Para ele, “não adianta tentar impedir o desemprego por decreto se não houver economia e as empresas não tiverem trabalho”. (Fonte: Eco)
Do factoring em Portugal
Importante lembrar que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/1992, de 31 de dezembro, inclui as sociedades de factoring entre as instituições de crédito.
Assim sendo, tais sociedades caem automaticamente no âmbito de aplicação das normas relativas a instituições de crédito, que disciplinam aspetos essenciais, como o regime da sua constituição, as regras sobre administração e fiscalização e a supervisão a que estão sujeitas por parte do Banco de Portugal.
O formato de Sociedade Anônima é obrigatório, nos termos do art. 4º, 2, do Decreto-Lei nº 171/1995 e, contrariamente do que se tem no Brasil, é possível o uso de recursos de terceiros, o que está claramente previsto na Lei:
1 - As sociedades de factoring só podem financiar a sua atividade com fundos próprios e através dos seguintes recursos:
a) Emissão de obrigações de qualquer espécie, nas condições previstas na lei, em montante que não exceda o quádruplo dos seus capitais próprios, considerando a soma do preço de subscrição de todas as obrigações emitidas e não amortizadas, bem como emissão de papel comercial;
b) Financiamentos concedidos por instituições de crédito, nomeadamente no âmbito do mercado interbancário, se a regulamentação aplicável a este mercado o não proibir, bem como por instituições financeiras internacionais;
c) Financiamentos previstos nas alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 9º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de dezembro. (Mútuo entre empresas coligadas e entre a empresa e seus acionistas).
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, entende-se por capitais próprios o somatório do capital realizado, deduzidas as ações próprias, com as reservas, os resultados transitados e os ajustamentos em ativos financeiros.
Então, por estar regulado, o factoring pode obter financiamentos concedido por instituições de crédito no mercado interbancário.
Em Portugal, medidas diretas para salvar empresas e empregos:
Neste aspecto, o factoring está previsto nas medidas para evitar a depressão em Portugal da seguinte forma.
- Pagamento imediato em programas de confirming (pagamento a fornecedores) ou permitindo a notificação do estado das faturas em factoring (dos próprios fornecedores).
- Implementação de um prazo para pagamento de toda a dívida de administração pública.
- Criação de um Programa de Contratos a 1 ano de Fornecimentos ao Estado, descontáveis no sistema financeiro, para adiantamento de liquidez aos fornecedores do Estado.
- Implementar um sistema de pagamentos automáticos, com ativação de linhas de confirming e de factoring e desde que haja acesso ao e-fatura (de modo a acautelar fenómenos de faturas falsas) e cobertura por garantia mútua. Haverá, assim, condições para uma injeção significativa de fundos na economia.
Problemas no sistema de factoring no Brasil: a alavancagem
A diferença entre o factoring no Brasil e em Portugal é que, a praticada no Velho Mundo tem legalmente previstas as ferramentas de alavancagem, em especial o financiamento direto por parte das instituições de crédito.
Neste exato momento de falta de liquidez e revoada de investidores é que precisaríamos de ferramentas para financiamento e/ou repasse de valores visando atender diretamente o mercado mais prejudicado, o das MPEs, em especial as que ficarão temporariamente sem recebíveis para negociar e, ainda, que ingressarão no já caudaloso estoque de empresas negativadas, ou seja, que não terão acesso as eventuais linhas oficiais.
Não é isso que a PEC 10/2020 faz!
Aqui, mesmo diante da PEC 10/2020, o auxílio fica somente no mercado secundário, dando liquidez aos investidores mas não diretamente para as empresas, seja pela falta de linhas de crédito direto ou em face à inexistência de um mercado secundário do principal título de crédito usado pelas empresas no Brasil: a duplicata.
Segundo Zeina Latif, “o BC pleiteia, pois, a autorização para comprar papéis de dívida privada no mercado secundário, em situação de emergência, por meio de uma emenda à Constituição”. (Fonte: Brazil Journal)
As medidas são mais úteis para salvar os investidores que as empresas e os empregos.
Vejamos o que fala o art. 115, § 10 da PEC 10/2020, que altera os ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias:
§ 10. O Banco Central, limitado ao enfretamento da referida calamidade, e com vigência e efeitos restritos ao período de duração desta, fica autorizado a comprar e vender direitos creditórios e títulos privados de crédito em mercados secundários, no âmbito dos mercados financeiros, de capitais e de pagamentos.
Decompondo singelamente o texto do § 10, temos que o BACEN fica autorizado a compra e vender, direitos creditórios e títulos privados de crédito em:
- Mercado secundário é uma parte do mercado financeiro de capitais dedicada à compra e venda de valores (tais como as ações de empresas) lançados anteriormente em uma primeira oferta pública ou privada (mercado primário).
- Em economia e finanças, mercado financeiro é como se denomina todo o universo que envolve as operações de compra e venda de ativos financeiros, tais como valores mobiliários (ações, obrigações etc.), mercadorias (pedras preciosas, commodities etc.) e câmbio.
- Mercado de capitais é um sistema de distribuição de valores mobiliários que proporciona liquidez aos títulos de emissão de empresas e viabiliza o processo de capitalização. É constituído pelas bolsas de valores, sociedades corretoras e outras instituições financeiras autorizadas.
- Mercado de pagamentos são os chamados meios e arranjos de pagamento. Atualmente este mercado goza de maior solidez em face à MP 930/2020, que altera na Lei nº 12.865/2013, segregando o patrimônio dos subadquirentes os recursos transacionados.
E o que quer dizer “direitos creditórios e títulos privados de crédito”?
São os chamados ativos financeiros, lembrando que “um ativo financeiro é um ativo não físico cujo valor é derivado de uma reivindicação contratual, como depósitos bancários, títulos e ações. Os ativos financeiros geralmente são mais líquidos do que outros ativos tangíveis, como commodities ou imóveis, e podem ser negociados nos mercados financeiros”. (Fonte: Ativo Financeiro)
Significa dizer que ele deve se sujeitar às regras e à fiscalização da CVM ou BACEN. Isso implica em uma mudança significativa na forma como esses títulos podem ser ofertados e negociados no mercado.
Então, não vejo a nossa participação SOMENTE por não estarmos regulados, sendo mais essencial do que isso o fato de a DUPLICATA ainda não ser um ativo financeiro, somente será após a sua escrituração, nos termos da Res. 4.593/2017.
Art. 2º Para fins do disposto nesta Resolução, consideram-se ativos financeiros:
I - os títulos de crédito, direitos creditórios e outros instrumentos financeiros que sejam:
.....
e) escriturados conforme regulamentação do Banco Central do Brasil ou custodiados por instituições mencionadas no art. 1º.
Como BACEN ainda não regulou a duplicata escritural, ela ainda não serve como ativo financeiro, independentemente do mercado que estamos falando.
Mercado desperdiçado
Perdemos todos a oportunidade, por total falta de visão, de usar o sistema factoring, com 5.874 empresas de fomento, 1.033 securitizadoras e, acessoriamente, as 632 Empresas Simples de Crédito, todas ao dispor para dar acesso ao crédito para as MPEs.
Este sistema factoring está sedimentado, capilarizado e com extrema capacidade de dar igual capilarização aos recursos empregados.
O Brasil está pagando um preço muito alto pela separação abissal do que seja mercado regulado e o mercado efetivo, assim considerando o nosso mercado que, embora não regulado, efetivamente atua perante as MPEs e a manutenção dos empregos.
Ao invés de ignorar, por diversos motivos, desde o engessamento regulatório, até o desconhecimento voluntário, passando pelo extremo preconceito, tais diferenças, prefere as nossas lideranças simplesmente deixar as MPEs ingressarem em mar aberto, sem qualquer proteção ou ajuda efetiva.
No que se refere à Empresa Simples de Crédito, necessário lembrar que ela faz parte do ecossistema das MPEs, e como tal poderia ser um agente repassador de recursos, caso tivesse condições legais de aderir ao Fundo de Aval para as Micro e Pequenas Empresas (Fampe), que o SEBRAE disponibiliza nos bancos conveniados. Tem por objetivo complementar as garantias exigidas pelas instituições financeiras para a realização de financiamento.
A intenção é utilizar fundos de aval - como os do SEBRAE e do BNDES - para assumir parte do risco de calote. “Teríamos de fazer uma corrente da seguinte maneira: os fundos de aval avalizam a operação para substituir a garantia real que os pequenos (empresários) não têm”, disse o assessor especial do Ministro da Economia, Guilherme Afif Domingos. (Fonte: Estadão).
Noutras palavras, a Empresa Simples de Crédito, na qualidade de MPE, poderia aportar recursos pelo desenho apresentado, e pulverizar no mercado não atendido pelas instituições oficiais, que não têm capacidade para tanto, não fosse, novamente, obstáculo legal, qual seja, a limitação da ESC em operar somente com recursos próprios.
Ao menos neste aspecto poderíamos mitigar o rigor da Lei nº 167/2019, viabilizando a Empresa Simples de Crédito a ter acesso às linhas de crédito, sem que isso fosse considerado captação de recursos de terceiros.
Seria um alento!
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.
(Publicado em 07/04/20)