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Muitas dúvidas pairam sobre o tema, mas sempre defendemos a aplicação da Lei das Duplicadas (Lei nº 5.474/1968), em seu art. 7º, onde está fixado o prazo para o aceite da duplicata, ou a declaração contendo as razões da falta de aceite.
Art. 7º - A duplicata, quando não for à vista, deverá ser devolvida pelo comprador ao apresentante dentro do prazo de 10 (dez) dias, contado da data de sua apresentação, devidamente assinada ou acompanhada de declaração, por escrito, contendo as razões da falta do aceite.
A mesma lei igualmente determina os motivos da falta do aceite:
Art. 8º - O comprador só poderá deixar de aceitar a duplicata por motivo de:
I - avaria ou não recebimento das mercadorias, quando não expedidas ou não entregues por sua conta e risco;
II - vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias, devidamente comprovados;
III - divergência nos prazos ou nos preços ajustados.
Então, vejamos o caso envolvendo uma empresa de fomento, em que o sacado manifestou-se passados dois meses do recebimento da mercadoria (Apelação Cível nº 0140243-73.2009.8.26.0100):
TÍTULOS DE CRÉDITO - Ação declaratória de inexigibilidade de título cumulada com pedido de indenização por dano moral – Duplicatas. Venda e compra de mercadorias. Alegação de que as mercadorias entregues são de qualidade inferior àquelas encomendadas. Procedência. Preliminar. Nulidade da sentença. Impossibilidade de ofertar contestação específica. Rejeição. Análise da contestação ofertada nos autos nº 0114115-16.2009.8.26.0100 realizada, bem como ofertada possibilidade de arguição, nas razões do recurso, sobre os fatos contidos na petição inicial e na sentença. Mérito - Vício na mercadoria que foi constatado pela compradora depois de dois meses da entrega dos produtos adquiridos. Inobservância do art. 7º da Lei nº 5.474/1968 (Lei das Duplicatas). Circulação das cártulas evidenciada. Desídia que não pode ser imposta ao endossatário de boa-fé - Ausência de demonstração de que houve efetiva comunicação do vício ao emitente dos títulos. Descumprimento do art. 373, I, do CPC/2015. Duplicatas exigíveis. Precedentes. Dano moral não configurado. Indenização indevida. Autora que não incorreu em litigância de má-fé pela propositura da ação. Impossibilidade de condenação. Sentença modificada. Improcedência da ação em relação à requerida XXX Fomento, com inversão do decaimento - Recurso parcialmente provido.
Importante a manifestação do desembargador relator:
Ela informou que acondicionou em estoque as mercadorias recebidas em agosto e setembro de 2008, afirmando que, em novembro de 2008, ao ter que utilizá-las, verificou se tratar de material diferente daquele que foi encomendado. Por óbvio, a venda e compra informada gerou a emissão de duplicatas, já que a mercadoria foi efetivamente recebida pela autora, sendo estas negociadas com a requerida XXXX Fomento Mercantil Ltda.
Compulsando-se os autos, infere-se que, embora a empresa XXX (cedente) seja revel no presente processo, a autora não comprovou a emissão de nota fiscal de devolução do produto ou demonstrou ter providenciado a referida reclamação por escrito no prazo, tal como estabelecido no art. 7º da Lei nº 5.474/1965 (Lei das Duplicatas).
Preconiza referido artigo que: “Art. 7º A duplicata, quando não for à vista, deverá ser devolvida pelo comprador ao apresentante dentro do prazo de 10 (dez) dias, contado da data de sua apresentação, devidamente assinada ou acompanhada de declaração, por escrito, contendo as razões da falta do aceite.”.
Além da falta acima apontada, nestes autos não há comprovação de outra forma de notificação sobre o vício do produto, tal como um “e-mail” trocado entre as empresas sobre a questão do envio de material inferior ao efetivamente adquirido, ônus que cabia à apelada (CPC/2015, art. 373, I). Assim, havendo vício de qualidade do produto, para a autora ter sido liberada do seu dever de pagamento, deveria ter promovido a devolução do produto ou notificação do vício dentro do prazo legal, o que não ocorreu, pois entregue a mercadoria em agosto e setembro de 2008, como ela própria afirma, sendo que a verificação de produto defeituoso ocorreu apenas em novembro de 2008.
O relator ainda acostou outros entendimentos jurisprudenciais que se adéquam ao caso concreto:
Cancelamento das notas fiscais que deram origem às duplicatas imediatamente após a assinatura de aditivo em contrato de fomento mercantil. Subsistência da cambiariedade em relação ao endossatário de boa-fé. Autonomia, literalidade e abstração do título de crédito. Inoponibilidade de exceções pessoais da sacada ao endossatário portador de boa-fé. Improcedência decretada nesta instância ad quem. Sucumbência invertida. Apelação provida.” (TJSP; Apelação 4007406-10.2013.8.26.0564; Relator (a): Correia Lima; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/02/2017; Data de Registro: 10/02/2017)
“EMBARGOS À EXECUÇÃO - Duplicatas mercantis por indicação - Prova da efetiva compra e venda - Causa debendi bem comprovada. Existência de relação cambiária. Licitude reconhecida do saque e do apontamento ou protesto das cártulas, ante o negócio cartular consumado e inadimplência constatada. Improcedência mantida - Recurso improvido.” (TJSP; Apelação 1002974-61.2015.8.26.0068; Relator (a): Correia Lima; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barueri - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/04/2018; Data de Registro: 16/04/2018)
“DUPLICATA. DESCONTO ANTES DO ACEITE. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. IRRELEVÂNCIA EM FACE DO ENDOSSATÁRIO DE BOA-FÉ. A DUPLICATA MERCANTIL E TÍTULO CAMBIÁRIO, DESVINCULADO DO NEGÓCIO CAUSAL, DESDE O MOMENTO EM QUE SURGE OBRIGAÇÃO DE DIREITO CAMBIÁRIO. UMA VEZ ENDOSSADA, MEDIANTE OPERAÇÃO DE DESCONTO, NÃO PODE SER ANULADA, SOB ALEGAÇÃO DE QUE SE DESFEZ O NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE, COM A DEVOLUÇÃO DAS MERCADORIAS. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.” (REsp 4.744/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 26/03/1991, DJ 29/04/1991, p. 5272).
E, para colocar uma pá de cal sobre o tema, referiu diversos doutrinadores e tantos outros entendimentos, todos no mesmo sentido:
Quanto à necessidade de recusar as mercadorias, promover sua devolução ao vendedor sacador ou manifestar formalmente a recusa do aceite, em tempo hábil, no caso de vício de qualidade do produto, a fim de se liberar da obrigação contratual, nos termos dos arts. 7º e 8º, II, da LF 5.474/68, a orientação:
(a) de Fábio Ulhoa Coelho: “O aceite por presunção decorre do recebimento das mercadorias pelo comprador, quando inexistente recusa formal. Trata-se da forma mais corriqueira de se vincular o sacado ao pagamento da duplicata. Caracteriza-se o aceite presumido, mesmo que o comprador tenha retido ou inutilizado a duplicata, ou a tenha restituído sem assinatura. Desde que recebidas as mercadorias, sem a manifestação formal de recusa, é o comprador devedor cambiário, independentemente da atitude que adota em relação ao documento que lhe foi enviado” (“Curso de Direito Comercial”, 15ª ed., Saraiva, 2011, SP, p. 483/484, o destaque não consta do original);
(b) de Waldo Fazzio Júnior: “As diferenças quanto à qualidade e à quantidade das mercadorias quando detectadas por ocasião da recepção, pelo comprador, permitem-lhe recusar as mercadorias; uma vez que se recebe menos do que consta do contrato ou se recebe coisa desconforme com o objeto do contrato, não pode mesmo subscrever o comprovante de entrega e recebimento. O defeito de qualidade na mercadoria adquirida que motiva a recusa do aceite deve se fundar em comunicação feita ao sacador, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias da recepção da coisa pelo comprador. Isso é assim desde o revogado Código Comercial (art. 211). Trata-se de prazo preclusivo, porque após seu transcurso as faturas que acompanham as mercadorias são líquidas. (...) De fato, não se trata de singela comunicação, mas de autêntica denúncia, que pode se efetivar por aviso telefônico, telegrama, e-mail, carta etc., sendo de boa prudência que, qualquer que seja o suporte utilizado, dele seja extraído registro ou cópia, tendo em vista a necessidade de justificar a recusa do aceite. (...) Os 10 (dez) dias previstos na Lei de Duplicatas não aludem ao recebimento da comunicação pelo vendedor, mas à sua formulação pelo comprador” (“Duplicatas: Legislação, Doutrina e Jurisprudência”, Ed. Atlas, 2009, p. 104/105, o destaque não consta do original);
(c) de Amador Paes de Almeida: “A justa causa para recusa do aceite, a nosso ver, não exime o comprador de certas providências, impondo-lhe a devolução da duplicata acompanhada de documento escrito explicando convenientemente sua atitude, procedendo concomitantemente à consignação judicial da mercadoria, sob pena de considerar-se perfeito e acabado o negócio” (“Teoria e Prática dos Títulos de Crédito”, 26ª ed., Saraiva, 2007, SP, p. 195, o destaque não consta do original);
(d) dos julgados extraídos do site deste Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: (d1) “DUPLICATA. Ação declaratória de inexigibilidade de débito e de nulidade de título de crédito reunida à medida cautelar de sustação de protesto para julgamento conjunto. Demanda que versa sobre matéria predominantemente de direito, manifesta a desnecessidade de produção de prova pericial. Cerceamento de defesa não configurado com o julgamento antecipado da lide. Hipótese em que o prazo para a recusa motivada ao aceite de duplicata, por vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias, devidamente comprovados, é de dez dias, contados de sua apresentação (artigos 7º e 8º, II, da Lei nº 5.474/68). Incidência no caso do prazo decadencial de trinta dias para a manifestação do propósito de redibição ou de abatimento do preço de coisa móvel (artigo 445, do Código Civil). Providências não adotadas a tempo pela adquirente das mercadorias alegadamente fora das especificações exigidas. Pedidos cautelar e principal julgados improcedentes, e procedente o reconvencional. Sentença mantida. Recurso improvido” (19ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 1039824-86.2013.8.26.0100, rel. Des. João Camillo de Almeida Prado Costa, v.u., j. 28.09.2015, o destaque não consta do original); e (d2) “Julgamento antecipado da lide Cerceamento de defesa Prolator da sentença que tinha em mãos todos os elementos necessários para apreciar os argumentos desenvolvidos no processo. Suficiência da prova documental produzida - Prova pericial requerida pela autora que era inócua, tendo em vista o tempo decorrido entre o recebimento das mercadorias e a propositura da ação. Cambial Duplicata - Afirmado pela autora que as mercadorias fornecidas pela ré foram entregues fora do prazo, bem como que apresentavam vícios de qualidade - Alegação à qual falta o mínimo de verossimilhança. Existência de notas fiscais comprovando que as mercadorias foram recebidas pela autora. Inexistência de qualquer ressalva nas notas fiscais sobre a existência de vícios nas mercadorias Autora que poderia proceder à devolução das mercadorias ou, ainda, recusar o aceite das duplicatas, nos termos do art. 8º, II, da Lei 5.474/68, providências as quais não tomou. Cambial. Duplicata. Inexistência de indícios acerca do suposto acordo celebrado entre as partes, a justificar o não pagamento dos títulos. Caso em que, cuidando-se de prova documental, deveria ter sido apresentada juntamente com a inicial Art. 396 do CPC - Decreto de improcedência da ação principal e das ações cautelares que se mostrou legítimo. Honorários de advogado. Arbitramento. Honorários advocatícios estabelecidos, nos termos do § 4º do art. 20 do CPC, em 20% sobre o valor da causa (R$ 15.000,00). Verba arbitrada com moderação, a qual atendeu aos critérios tipificados nas alíneas “a”, “b” e “c” do § 3º do art. 20 do CPC. Litigância de má-fé – Caracterização. Aplicação de pena por litigância de má-fé que só é possível se ficar evidenciado o dolo processual da parte. Não atestado o intuito malicioso por parte da autora. Condutas tipificadas nos incisos I a VII do art. 17 do CPC que devem ser interpretadas com cautela, para não se inviabilizar o acesso à justiça. Afastada a condenação da autora nas penalidades por litigância de má-fé - Apelo da autora provido em parte para esse fim” (23ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 0120622-27.2008.8.26.0100, rel. Des. José Marcos Marrone, v.u., j. 30.10.2013, o destaque não consta do original)”.
O julgado encontra-se à disposição dos associados no site do SINFAF-SP, mediante login e senha.
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.
(Publicado em 19/03/2019)