QUANDO CORREMOS O RISCO DE CONTAMINAR A OPERAÇÃO COM A RELAÇÃO DE CONSUMO ENTRE CEDENTE-SACADO?

Os tribunais são uníssonos em dizer que na nossa atividade não se aplica o direito do consumidor, ainda mais quando estamos falando de títulos com origem na compra e venda mercantil.

Mas nem sempre estamos atentos a esta situação e, sem observar os critérios de aceitação de clientes, seja pela ansiedade em operar, ou mesmo ganância (e em alguns casos, o simples desconhecimento), acabamos por operar direitos creditórios oriundos de uma relação de consumo (e não de origem mercantil), o que traz toda a carga de problemas inerentes a este tipo de relação.

Um dos exemplos mais emblemáticos sobre o tema é a relação havida com as fábricas de móveis planejados, onde o fornecimento é para o consumidor final, quase sempre residencial.

Pois bem, devemos ter claro as particularidades desta operação, para que possamos mensurar nosso apetite pelo risco.

Aceitando este tipo de cliente na nossa carteira, que estejamos preparados para enfrentar questões levantadas pelo sacado (consumidor final), lembrado o que fala a recente jurisprudência sobre o tema, onde o cessionário entendeu por protestar o sacado, mesmo diante da falha na prestação de serviços:

Compra e venda. Móveis planejados. Ação de rescisão contratual c.c. declaratória de inexistência de débito e indenizatória. Sentença de parcial procedência. Autora que adquiriu móveis fabricados e comercializados pelas corrés. Entrega parcial dos móveis e existência de vícios. Solidariedade da fornecedora (arts. 7°, parágrafo único; 25, § 1°, e 34, todos do CDC). Danos morais. Ocorrência. Valor da indenização de R$ 10.000,00 que se mostra razoável. Acordo celebrado entre o autor e a corré xxxx, homologação do acordo, recurso desta última prejudicado. Recurso da corré xxx desprovido, com observação.  (TJSP;  Apelação 0021326-12.2011.8.26.0008; Relator (a): Morais Pucci; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/11/2017; Data de Registro: 14/11/2017)

E não precisamos ir longe.

O STJ ainda pende de decisão final uma ação similar, onde o sacado (lembre-se: consumidor final da compra de móveis planejados) aceitou duplicatas relativas ao negócio, sendo este o entendimento do ministro Noronha: 

Nada obstante o precedente trazido à colação pela recorrente, alinho-me à tese que prevaleceu no julgado da Terceira Turma (REsp n. 612.423/DF), segundo a qual, na operação de factoring , em que há envolvimento mais profundo entre faturizada e faturizadora, não se opera um simples endosso, mas a negociação de um crédito, cuja origem é – ou pelo menos deveria ser – objeto de análise pela faturizadora, o que faz com que não se equipare a outros terceiros de boa-fé a quem o título pudesse ser transferido por endosso. Aqui, ao contrário, houve verdadeira cessão de crédito, e não mero endosso, hipótese que se subordina à disciplina do art. 294 do Código Civil, ficando autorizada a discussão da causa debendi.

Anoto que o Tribunal a quo destacou ser crível a afirmação do autor de que somente apôs seu aceite nas cártulas porque os móveis contratados estavam sendo produzidos, vindo depois a ocorrer o descumprimento do quanto pactuado pela empresa xxx e o encerramento de suas atividades sem a conclusão dos serviços. Salientou ainda que o ora recorrido já havia pago quase todos os valores contratados (R$ 8.350,00), superiores até mesmo aos serviços que lhe foram efetivamente prestados, estando inadimplidas apenas duas parcelas (no total de R$ 3.150,00), sendo uma parte referente ao dormitório inacabado e outra à cozinha que nem sequer foi iniciada. Tais circunstâncias evidenciam que o sacado agiu com absoluta boa-fé (RECURSO ESPECIAL Nº 1.439.749 - RS (2011/0222365-6)

Resumido, conforme falamos, a questão não está encerrada no caso acima, pendendo de decisão final do STJ, e tampouco estamos afirmando que, em situações análogas, o sacado ficará isento do pagamento.

O presente texto serve apenas para alertar dos problemas que isso pode acarretar, para que o empresário possa tomar decisão de crédito, inclusive de iniciar as operações, com conhecimento do risco e, em especial, nos motivos que levaram a operar com o dito cliente.

Devemos ter foco no ramo de atividades do nosso cedente, sempre lembrando que “quem atira para todos os lados acerta mais, mas também pode acertar no próprio pé”!

Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.

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