REGRESSO E NP EM GARANTIA: O ANO COMEÇA COM UMA VISÃO DIFERENTE DO JUDICIÁRIO SOBRE O TEMA

O ano que passou foi um tanto complicado no que se refere ao reconhecimento do direito de regresso e da nota promissória em garantia por parte do Poder Judiciário.

Contudo, em 2021, o Judiciário paulista exarou um julgado que pode ser um verdadeiro divisor de águas sobre o tema, cabendo a leitura do presente com a máxima atenção.

O caso envolve um fundo de investimento, mas a matéria foi amplamente conhecida e debatida, senão vejamos a ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ACOLHIMENTO. DECISÃO ALTERADA. NADA HÁ DE INJURÍDICO NA EMISSÃO DE NOTA PROMISSÓRIA EM GARANTIA DE CESSÃO DE CRÉDITO. TÍTULO FORMALMENTE EM ORDEM. RECURSO PROVIDO.  (TJSP; Agravo de Instrumento 2219342-81.2020.8.26.0000; Relator (a): Campos Mello; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/01/2021; Data de Registro: 07/01/2021)

De muito tempo repetimos, nos eventos, que não existe lei que impeça o direito de regresso, somente entendimentos doutrinários e jurisprudenciais. Mas lei, em homenagem ao nosso sistema da civil law, jamais vetou o regresso na nossa atividade.

Apropriadas, então, as palavras do relator: 

Com efeito, mesmo que doutrinariamente possa ser sustentada a impossibilidade de instituição de garantias suplementares em operação de factoring, o fato é que não há no ordenamento nenhuma vedação com tal conteúdo. Admitir tal restrição acarretaria ofensa ao princípio constitucional da legalidade (art. 5º, II, da Constituição Federal). A propósito, é precisa a lição do Ministro José Celso de Mello Filho: “Qualquer comando estatal, ordenando prestação de ato ou abstenção de fato, impondo comportamento positivo (ação) ou exigindo conduta negativa (abstenção), para ser juridicamente válido, há de emanar de regra legal. O conceito de lei, a que se refere a Constituição, está vinculado ao critério subjetivo-orgânico.

Em consequência, e para os efeitos desta regra, lei é todo ato normativo editado, ordinariamente, pelo Poder Legislativo, ou, excepcionalmente, pelo Poder Executivo (leis delegadas e decretos lei), no desempenho de sua competência constitucional e segundo o rito estabelecido na própria Constituição.

Apenas a lei em sentido formal, portanto, pode impor às pessoas um dever de prestação ou de abstenção.” (in: “Constituição Federal Anotada”, Ed. Saraiva, 1984, p. 325).

No mais, é sabido que as operações de factoring não estão revestidas de tipicidade legal. Não há no ordenamento positivo dispositivos que as regulem. Então, é inelutável a conclusão de que os apontamentos doutrinários a respeito de sua natureza jurídica, por respeitáveis que sejam, não podem ser adotados pelo intérprete e aplicador da lei quando contravenham algum dispositivo legal. É o que ocorre em relação à instituição de garantias suplementares, que podem ser convencionadas. Isso é possível tanto quanto é possível que a endossatária de duplicatas objeto de contrato de factoring possa exercer seu direito de regresso contra a endossante e sacadora dos títulos, justamente por não haver no ordenamento nenhuma vedação a respeito. Não há nenhum fundamento legal a sustentar a assertiva de que nas operações de factoring em que haja endosso de títulos, não é possível o exercício do direito de regresso e que o risco do negócio deve ficar concentrado no endossatário. Ao contrário, se os títulos são transferidos por endosso, esse endosso estará necessariamente sujeito ao regime da Lei Cambiária, que assegura o direito de regresso ao endossatário e não prevê modalidade de renúncia. Mesmo aquela renúncia porventura expressa em contrato de fomento mercantil seria inócua, visto que a lei não admite declarações cambiárias fora da cártula (cf., a propósito, Francisco José Roque, “Dos Contratos Civis-Mercantis em Espécie”, Ed. Ícone, 1997, p. 18). A renúncia ao direito de regresso só poderá ser juridicamente válida, em caso de transferência por endosso, quando e se houver modificação legislativa (Fran Martins, “Contratos e Obrigações Mercantis”, Ed. Forense, 7ª ed., 1984, p. 554).

Assim, aliás, já nesta Câmara (Ap. 1.320.431-8, de São Paulo). E esse entendimento também já foi externado no Superior Tribunal de Justiça (Rec. Esp. 820.672/DF, 3ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, v. u., DJU 1.4.2008).

Em consequência, se é possível o exercício do direito de regresso cambiário, também será possível a instituição de garantia suplementar na contratação de operação de factoring. Além do mais, a mera vinculação de nota promissória a contrato não desnatura tal promessa de pagamento, que deve ser honrada por quem assumiu essa obrigação. Essa vinculação não tem o condão de acarretar a perda da autonomia, liquidez e exigibilidade da nota promissória, consoante já se proclamou no Supremo Tribunal Federal (STF Rec. Ext. 108.026/RJ, 2ª T., V. U., Rel. Min. Francisco Rezek, in RTJ 118/1.130), no Superior Tribunal de Justiça (RT 654/195, Rel. Min. Barros Monteiro, Rec. Esp. 259.819/PR, 4ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 5.2.07, AgRg. no Ag. 594.772/MG, 3ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 4.12.06) e no Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (RT 642/148, Rel. Juiz Sena Rebouças e 610/133, Rel. Juiz Maurício Vidigal).

Por tais razões, nada há a tisnar a validade da nota promissória atrelada ao contrato de fomento à produção, cujo inadimplemento ensejou o protesto e a presente demanda executiva.

Aos operadores do direito, cabe apontar que o TJ-SP, com grande sabedoria, fez referência ao eArRg no Ag 594.772/MG da relatoria do ministro Humberto Gomes de Barros, um dos primeiros a confirmar a validade do endosso na atividade de fomento comercial.

O julgado por ser baixado no site do SINFAC-SP, mediante login e senha.

Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.

(Publicado em 12/01/21)

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