Responsabilidade da factoring pelos títulos não pagos – Mero inadimplemento

Publicado em 01/08/2024

Por Alexandre Fuchs das Neves

 

Recentemente o tema tomou novas proporções, com recente Julgado do STJ, que em nada altera o cenário, mas tem sido tratado como se fosse uma catástrofe para o setor. O direito de regresso, seja via cessão de crédito, seja pelo endosso , é plenamente exercível pela empresa de factoring, pela mera inadimplência do devedor da obrigação, não fosse o entendimento contraria lege do Poder Judiciário. Mas jamais deixaremos de brigar pelo regresso e, vez que outra, num lampejo de lucidez, vemos o regresso garantido por um julgado, por mero inadimplemento.

 

Bom, o caso em comento é uma confissão de dívida que teve como base títulos cedidos para a factoring. No STJ a confissão foi anulada sob o pálio argumento de que a factoring assume o risco e não tem direito  de regresso, senão vejamos o julgado que tanto furor tem gerado no setor:

 

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA CUJO FUNDAMENTO É A AQUISIÇÃO DE TÍTULO EM OPERAÇÃO DE FOMENTO MERCANTIL. FACTORING. AUSÊNCIA DE DIREITO DE REGRESSO. RISCO DA ATIVIDADE MERCANTIL. INVALIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

1. Embargos à execução, opostos em 12/6/2019, dos quais foi extraído o presente recurso especial, interposto em 31/5/2023 e concluso ao gabinete em 28/11/2023.

2. O propósito recursal consiste em decidir se é válido o instrumento de confissão de dívida decorrente de contrato de fomento mercantil (factoring).

3. Não há ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC quando o Tribunal de origem examina, de forma fundamentada, a questão submetida à apreciação judicial e na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte.

4. O factoring (faturização ou fomento mercantil) pode ser definido, em linhas gerais, como a operação mercantil por meio da qual determinada empresa (faturizadora) compra os direitos creditórios de outra (faturizada), mediante pagamento antecipado de valor inferior ao montante adquirido.

5. Nessa operação, a faturizada apenas responde pela existência do crédito no momento da cessão, enquanto a faturizadora assume o risco - intrínseco à atividade desenvolvida - da solvabilidade dos títulos cedidos. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a faturizadora não tem direito de regresso contra a faturizada em razão de inadimplemento dos títulos transferidos, visto que tal risco é da essência do contrato de factoring.

6. Nos contratos de fomento mercantil, devem ser consideradas nulas (I) eventuais cláusulas de recompra dos créditos vencidos e de responsabilização da faturizada pela solvência dos valores transferidos; (II) eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring; e (III) eventual fiança ou aval aposto na cártula garantidora.

7. Na hipótese sob julgamento, o instrumento de confissão de dívida tem como fundamento a prévia operação de fomento mercantil estabelecida entre as partes. Trata-se de título executivo inválido, uma vez que a origem do débito corresponde à dívida não sujeita a direito de regresso. Deve ser mantido o acórdão estadual que declarou a invalidade do título executivo e extinguiu o processo de execução.

8. Recurso especial conhecido e desprovido.

(REsp n. 2.106.765/CE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 15/3/2024.)

 

Este mesmo STJ entendeu que o factoring não pode ser responsável por títulos falsos, inverídicos ou não performados, sob pena de permitir o enriquecimento indevido do cedente que simplesmente cria um título qualquer, negocia e não pode ser cobrado por isso.

Esta é a chamada obrigação in veritas, ou seja, pela verdade da existência do crédito, a qual o cedente jamais pode se escusar, exatamente por estarmos permitindo o enriquecimento ilícito, a emissão de duplicata sem origem e, em última análise inclusive a lavagem de dinheiro.

E, o mesmo STJ tem jugado em sentido parcialmente diverso que, lamentavelmente, não gerou tanta repercussão assim, senão vejamos:

 

COMERCIAL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE "FACTORING". GARANTIA. RESPONSABILIDADE DA FATURIZADA PELO SIMPLES INADIMPLEMENTO DO TÍTULO. INEXISTÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS E REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA.

1. Na linha dos precedentes desta Corte, não se admite a estipulação de garantia em favor da empresa de factoring no que se refere, especificamente, ao inadimplemento dos títulos cedidos, salvo na hipótese em que a inadimplência é provocada pela própria empresa faturizada, o que não é o caso dos autos. Precedentes.

2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem interpretação de cláusulas contratuais e revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmulas n. 5 e 7 do STJ).

3. No caso concreto, o Tribunal de origem examinou os elementos fáticos dos autos e, em especial, a escritura pública de confissão de dívidas objeto da lide, a fim de reconhecer a previsão contratual de recompra. Dessa forma, para alterar o acórdão recorrido, seria necessário o reexame da prova dos autos e a interpretação das cláusulas do regulamento, o que é inviável em recurso especial, nos termos das súmulas mencionadas.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp n. 374.373/SC, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 5/12/2017, DJe de 11/12/2017.)

 

Então, aos mais açodados, pedimos calma porque temos sim direito de regresso, desde que façamos a prova do vicio – falta da entrega da mercadoria, devolução da mesma, confirmação “de favor” e tantos outros métodos usados para burlar a recompra.

Ainda nesta senda, a confissão de dívida tem que ter início, meio e fim, e contar detalhadamente os motivos da recompra, para evitarmos revezes como o ora apresentado e, ainda, a fomento deve guardar a prova do vício, seja uma notificação, uma nota de devolução, uma gravação ou mesmo uma contestação por e mail ou whats, para que não seja compelida a amargar com o prejuízo.

 

Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo e da ABRAFESC.

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