FECHAR
A figura do responsável solidário (art. 264 e seguintes do Código Civil) não se confunde com o aval e a fiança. Apenas para lembrar, aval é garantia dada no título de crédito, e não em contrato, e nos termos do art. 1.627 do Código Civil, dependendo do regime de casamento, necessita da autorização do cônjuge.
Nesta figura, ambos os obrigados podem ser executados solidariamente, não existindo beneficio de ordem (primeiro o devedor principal, depois o avalizado). Vejamos o referido artigo:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
III - prestar fiança ou aval;
Por seu turno, fiança é garantia contratual, completamente em desuso na nossa atividade, e implica na assinatura em conjunto do cônjuge, e igualmente depende do regime de casamento. Mas na fiança existe o benefício de ordem, ou seja, primeiro deve ser executado o afiançado, para depois executarmos o fiador.
Retornando ao tema, na responsabilidade executam-se ambos em conjunto, devedor principal e responsáveis, sem benefício de ordem.
Assim, embora seja minimamente razoável ter a assinatura do cônjuge (risco de interpretação do Judiciário), ou ao menos uma autorização deste para a assinatura, apenas para trazer à saciedade os meandros do instituto, repita-se, este não é necessariamente o espírito do legislador, qual seja, determinar que para a sua validade o cônjuge compareça ou autorize.
Aliás, vejamos o que o nosso TJ fala sobre o tema, em julgado publicado na segunda quinzena no mês passado (recentíssima) que bem explora a natureza da garantia “responsabilidade solidária”, no Agravo de Instrumento 2075748-48.2016.8.26.0000:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – DESACOLHIMENTO – alegação de nulidade em relação ao agravante por falta de outorga uxória ao aval prestado por ele – descabimento – cédula de crédito bancário firmada na qualidade de devedor solidário – figura que não se confunde com o aval e que dispensa a outorga conjugal – ainda que assim não fosse, o cônjuge assinou o aditamento, o que supriria a falta anterior – decisão mantida – agravo desprovido. (Relator(a): Castro Figliolia; Comarca: José Bonifácio; Órgão julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 23/06/2016; Data de registro: 23/06/2016)
E vejamos o que fala o relator, na justificação do seu voto:
Não se olvida que o art. 1.647, inciso III do Código Civil estabelece que nenhum dos cônjuges pode prestar fiança ou aval sem a autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta. Também é fato que o agravante XXXXXXXXX figurou na cédula de crédito bancário exequenda como “avalista”. Todavia, não obstante a equivocada nomenclatura utilizada, o fato é que XXXX não prestou aval, mas sim assumiu a qualidade de devedor solidário, o que é absolutamente diverso. Com efeito, conforme se extrai da leitura da cláusula 6.1 do contrato, o agravante se comprometeu a responder juntamente com a devedora principal “solidária e integralmente por todas as obrigações aqui assumidas” (fls. 15). O aval é instituto cambiário de natureza autônoma e não se confunde com a garantia prestada pelo sócio, ínsita ao contrato, à empresa que firma contrato bancário na qualidade de devedora principal.
Ainda sobre o tema, versando em caso aplicável na nossa atividade, em julgado de maio do corrente ano (Apelação 0196166-79.2012.8.26.01000)
COBRANÇA EM DUPLICIDADE - O fato dos títulos exequendos terem sido emitidos em garantia de dívida incluída no quadro geral de credores do plano de recuperação judicial da sociedade empresária, das quais os apelantes eram sócios não acarreta em sua inexigibilidade, visto que: (i) a pessoa jurídica tem existência distinta da pessoa de seus sócios, ante o princípio da autonomia patrimonial da sociedade; (ii) a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória; e (iii) qualquer valor recebido do sócio garante embargante executado pela dívida da sociedade empresária em recuperação judicial pela parte credora devem ser informados nos autos da recuperação judicial, para evitar o risco da duplicidade do pagamento da mesma dívida.
GARANTIA - O garante que se vincula ao contrato de mútuo como devedor solidário responde pela integralidade do débito e por seus acessórios, com subordinação às cláusulas avençadas, pouco importando o nomen juris que lhe tenham atribuído no contrato, uma vez que a imprecisão técnica não pode servir de subterfúgio aos que desejam esquivar-se do cumprimento de compromissos livremente pactuados - A garantia prestada pelo cônjuge, na qualidade de garante ou devedor solidário em contrato de cessão de crédito, caso dos autos, como acontece em contratos bancários e de factoring, não é aval, nem fiança, e prescinde de autorização conjugal para ser válida e eficaz. EMBARGOS À EXECUÇÃO - O fato de a sociedade empresária devedora estar em recuperação judicial e o débito objeto da ação inserido no quadro de credores não implica inexigibilidade dos títulos emitidos para garantia da dívida, porquanto formalmente em ordem, preservando as suas características de liquidez, certeza e abstração – Como a garantia prestada pelos embargantes pessoas físicas, casados, que firmaram os "Termos de Cessão de Direitos Creditórios" exequendos, na condição de devedores solidários, que não tem a natureza jurídica de aval, nem de fiança, independe de autorização conjugal para se válida e eficaz, os embargantes apelantes respondem pela integralidade do débito e por seus acessórios, com subordinação às cláusulas avençadas - Afastadas as alegações deduzidas no recurso, de rigor, o reconhecimento da exigibilidade do débito objeto da ação de execução, com imposição, em consequência, a manutenção da r. sentença recorrida, que rejeitou os embargos à execução opostos pela parte apelante. Recurso desprovido. (Relator(a): Rebello Pinho; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 02/05/2016; Data de registro: 03/05/2016).
Noutras e claras palavras: os entendimentos recentes mostram que não se faz necessária a assinatura do cônjuge, e em caso de execução, é possível a reserva da meação.
Mas, ainda que tenhamos o julgado acima, que encontra eco noutros tantos do nosso TJ, oportuno, repetindo o acima dito, por mitigação de risco operacional, ao menos a obtenção da autorização para assinar como responsável solidário, que pode ser usada uma única oportunidade para todos os aditivos, sendo renovada quando renovado o contrato.
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.