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Publicado em 23/11/2021
Por Alexandre Fuchs das Neves
Esta tem sido a interpretação do TJSP, nos casos das demandas chamadas de “revisionais”, onde o devedor busca embaralhar o entendimento do Juiz, confundindo institutos que não se misturam: juros e deságio. Juros é a remuneração do capital pelo tempo em que ele fica em poder do mutuário, ou seja, o mutuário tem de devolver o recurso emprestado, acrescido da taxa de juros contratada.
O deságio é exatamente a precificação para a compra de um bem, ou no nosso caso, um recebível empresarial, antecipando ao cliente um valor que tem a receber no futuro. Ressalvados casos de recompra, não tem o cliente qualquer obrigatoriedade de devolver os recurso aportados, porquanto o contratado não é mútuo. Enfim, vejamos:
OBJEÇÃO PRELIMINAR – CERCEAMENTO DE DEFESA – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – INOCORRÊNCIA – documentação carreada aos autos que permitia a análise segura do mérito – cerceamento de defesa não caracterizado – objeção rejeitada. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO JULGADA IMPROCEDENTE – CONTRATO DE FACTORING – taxa de desconto cobrada pela apelada que não configura cobrança de juros remuneratórios – deságio que não se destina a remunerar o capital, mas sim o risco, considerados, dentre outros fatores, o prazo entre a venda e o vencimento do título, o risco de inadimplemento e os custos e despesas das operações – descabimento da alegação da apelante de que a recompra dos títulos deveria se dar pelo valor que foi pago por eles e não por seu valor de face – aplicação da cláusula de recompra que não afasta a remuneração da faturizadora pelo serviço prestado – cláusula de recompra de títulos cedidos à faturizadora que é válida no caso de vícios de emissão, mas não por mero inadimplemento – circunstância que não foi sequer alegada pela apelante – sentença mantida – recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1002056-34.2018.8.26.0462; Relator (a): Castro Figliolia; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Poá - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/11/2021; Data de Registro: 22/11/2021)
Importante o raciocínio do Relator:
Pelo contrato de faturização, de rigor, não há cobrança de juros. O deságio consiste na diferença entre o valor nominal do título cedido e o valor pago à vista pela faturizadora. Tal diferença é justamente a remuneração pelo serviço prestado, que leva em conta o risco assumido pela faturizadora na compra dos títulos de crédito. Não tem o deságio natureza de juros remuneratórios porque não se destina a remunerar o capital. Em verdade, a formação do valor cobrado a título de deságio leva em conta, dentre outros fatores, o prazo entre a venda e o vencimento do título, o risco de inadimplemento e os custos e despesas das operações. Não possuindo natureza de juros, portanto, não há que se falar em limitação legal do valor cobrado pelo serviço de factoring. Fica tal valor entregue aos ditames do mercado e à livre manifestação da vontade das partes estabelecida no contrato.
No caso concreto, mantendo a recompra em casos de vício, houve também a correta delimitação da base de calculo para a dita recompra (grifo nosso): Justamente porque o fator de deságio cobrado pela apelada não tem natureza de juros remuneratórios, mostra-se também despropositada a alegação da apelante de que a recompra dos títulos deveria se dar pelo valor que foi pago por eles e não por seu valor de face. Nas hipóteses em que cabível a aplicação da cláusula de recompra, é lícito que o valor exigido da faturizada seja efetivamente o do título. Se assim não fosse, a faturizadora deixaria de ser remunerada pelo serviço prestado em razão de circunstância não abrangida pelo risco inerente à operação de factoring. A faturizada, na hipótese, estaria se locupletando por ter ficado com o valor pago pelo título pelo período havido entre a operação de factoring e a recompra.
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.