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Esta semana falamos dos nefastos efeitos da notificação tardia, ou seja, aquela feita após o pagamento do título, pouco importando se foi realizado na data aprazada ou antecipadamente.
Pois foi exatamente esta a posição do nosso TJ-SP:
Embargos à execução. Alegação de pagamento da duplicata à cedente (credora originária) e de proibição da cessão prevista em contrato. Notificação recebida na empresa-devedora antes do pagamento. Pagamento que deve ser feito à embargada. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 0005890-50.2019.8.26.0002; Relator (a): Cauduro Padin; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/06/2020; Data de Registro: 04/06/2020)
Fato concreto: sacado foi notificado por AR, onde todas as características do título estavam bem demonstradas, e ignorando esta notificação, pagou diretamente ao cedente.
Vejamos:
Verifica-se que o pagamento feito à empresa cedente, realizado em 28/11/2017, antes da data do vencimento do título (fl. 30), através de transferência bancária, ocorreu depois da notificação enviada pela apelante à embargante em 08/09/2017, conforme AR de fls. 63/64, acerca da cessão do crédito da duplicata, notificação que, inclusive, trata especificamente do título em questão.
A notificação foi enviada ao endereço da sede da empresa, sendo recebida por funcionário habilitado para tanto, ausente demonstração em contrário; assim, a notificação é válida.
E ainda, interessante que o relator entendeu ser perfeita a notificação, dispensando que o notificado retornasse a correspondência ou manifestasse o conhecimento da cessão:
Depreende-se dos autos que foi feita devidamente a notificação acerca da cessão do crédito operada, sendo esta expressa, não havendo, neste caso, necessidade de comprovação de ciência do devedor, operando seus efeitos, conforme dispõe o art. 290 do Código Civil.
Assim não se subsistem os argumentos de que o AR demonstra apenas que um documento foi recebido na empresa. O aviso de recebimento da notificação comunicando a cessão de crédito demonstra que a empresa sabia acerca da cessão operada, portanto, o que se verifica é que a embargante pagou a quem não era mais credor.
No que se refere à alegada vedação de circularização trazida pelo sacado, o relator coloca sob a responsabilidade do embargante, quando do recebimento da notificação, a obrigação de levantar o tema, fato que não ocorreu:
Deveria a embargante ter respondido à notificação, opondo suas razões. Deveria, diante do recebimento do boleto emitido pelo credor originário, ter agido com cautela, já que tinha ciência a respeito da cessão e questionado a respeito, antes de realizar o pagamento. A empresa embargante é pessoa jurídica experiente no trato dos negócios, de renome, com capital social bilionário, e não foi diligente ao efetuar o pagamento ao credor originário.
E, como a embargante não se manifestou por ocasião da notificação, não havia como a embargada ter ciência a respeito da questão. Ademais, não se vê tal vedação na nota fiscal, que deu origem ao título. Importante notar que cabe à apelante a investigação da origem do crédito no que se refere à verificação da existência da compra e venda (no caso, trata-se de duplicata acompanhada da nota fiscal, comprovante de recebimento da mercadoria e instrumento de protesto), não se exigindo verificar se consta instrumento contratual com vedação acerca da cessão. Esta é matéria que deveria ter sido alegada pela embargante ao receber a notificação. Sucede que a embargante se quedou silente quando da notificação, de modo que não lhe cabe, neste momento, opor exceções pessoais em relação à embargada, terceira de boa-fé na relação jurídica, e que não estava obrigada a conhecer a cláusula de vedação de transferência de títulos firmada entre a cedente e a embargante, constituindo questão res inter alios.
Resumindo: mesmo o bom e velho AR, quando bem preenchido, trazendo todas as características do título e entregue antes do pagamento, foi suficiente para delimitar a titularidade do crédito e imputar o pagamento ao cessionário, reconhecendo o pagamento erroneamente realizado diretamente ao cedente.
Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.
(Publicado em 04/06/20)