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Publicado em 12/03/2019

Aplicação fora do sistema dá margem a fraude (Valor Econômico)

André Afonso, sócio do escritório Di Migueli Advogados, tenta o ressarcimento de R$ 250 mil de um cliente seu que aplicou os recursos com um amigo que trabalhava no mercado financeiro. A lógica era que, com um volume considerável de dinheiro em mãos, ele teria acesso a taxas melhores numa operação de renda fixa, com retorno equivalente a 120% do CDI por um ano. A aplicação, aparentemente conservadora e sem risco, falhava em um detalhe: o depósito era feito na conta pessoal desse assessor de investimentos muito particular.

Esse é um erro comum de investidores que se tornam vítimas de fraudes ou pirâmides financeiras, com o envio de dinheiro para pessoas físicas ou empresas sem registro de distribuição de investimentos.

O caso mais recente que ecoou no mercado foi o de um agente autônomo do escritório da BankRio, vinculado à XP Investimentos, que, suspeita-se, oferecia aplicações por meio de uma consultoria paralela, e pode ter deixado para trás prejuízos de pelo menos R$ 20 milhões. Os investidores, que já eram clientes do assessor, passaram a enviar o dinheiro para a conta da empresa dele, em vez de fazer o depósito na sua própria conta na XP, como seria o fluxo normal.

Mesmo no caso de corretoras que não participam do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), os recursos para investimentos têm de ser remetidos para um administrador fiduciário, que também é instituição financeira. Agentes autônomos, consultores ou planejadores financeiros nunca podem captar diretamente dinheiro dos seus clientes.

Em comum, as abordagens que se convertem em prejuízos financeiros trazem promessas de ganhos expressivos num intervalo curto de tempo. A má notícia é que pessoas que são vítimas, invariavelmente caem em outros esquemas, aponta o advogado André Afonso. “Já vi casos em que numa primeira situação a pessoa admite que foi ingênua, mas acaba caindo num segundo golpe mais sofisticado.”

Aquiles Mosca, presidente do Comitê de Educação de Investidores da Anbima, diz que é no campo das finanças comportamentais que o investidor pode encontrar indícios de que algo pode estar errado. Pessoas que se apresentem esbanjando confiança, com supostos métodos de sucesso financeiro comprovados e que criam a percepção de escassez compõem um perfil comum nos casos de fraudes ou pirâmides financeiras.

“Todos os esquemas têm esses três vieses e a pessoa, tomada por uma certa ganância, não quer ficar de fora. Junta isso com ingenuidade e falta de conhecimento e daí há elementos propícios”, diz. “Em finanças não tem muita mágica, risco e retorno andam de mãos dadas. Se o retorno é alto, o risco é amplo e isso inclui estar conversando com alguém mal intencionado. É um risco difícil de identificar.”

A luz amarela pode acender, porém, quando alguém pede para que o dinheiro seja depositado numa conta pessoal. “É um sinal forte de que algo está muito errado, porque está fora de toda regulação de CVM, Banco Central, da autorregulação, e quando sai do sistema isso equivale a dar um cheque em branco.”

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem observado, desde 2014, um aumento de indícios de fraudes ou pirâmides financeiras, tanto nos casos relacionados à economia popular ou os chamados híbridos — que envolvem o mercado financeiro. As demandas do público dessa natureza passaram de 11 processos em 2014, para 39 em 2018. Nesse período foram instaurados 443 processos de consultas, reclamações ou denúncias relativos a pessoas ou entidades não participantes do mercado.

A autarquia não tem um diagnóstico para esse incremento. Além das questões tecnológicas, o regulador pode ter recebido mais notificações ou determinados casos ter alcançado um número maior de pessoas. “Não há nenhuma relação entre a economia real e estes golpes. Eles sempre serão atrativos e fáceis de fazer”, diz o gerente de orientação aos investidores da CVM, Wagner Souza.

Ele cita que o investidor geralmente é seduzido por uma narrativa qualquer, e os produtos ao longo dos anos vão mudando. O que antes envolvia principalmente supostas captações para o mercado de moedas internacionais (Forex), hoje se volta para os criptoativos. As aplicações envolvem ainda investimentos em bolsa — que em muitos casos servem apenas como chamariz e não são realizados.

Hoje há dois tipos de pirâmides conhecidos. Um deles é o chamado esquema Ponzi, em que a rentabilidade é paga em um primeiro momento com o dinheiro de novos investidores, cujo efeito multiplicador dá a sensação de que a empresa está cumprindo com suas obrigações. No outro, o foco é na indicação de pessoas ou formação de equipes. Neste caso, a maior parte das informações disponíveis são relacionadas a remunerações, bonificações ou prêmios por indicações de outros clientes.

Ambos os esquemas estão fora da atuação da CVM, que comunica os casos ao Ministério Público Federal para medidas no âmbito criminal e cível. Ao regulador cabe verificar se as pessoas envolvidas estão autorizadas ou não a atuar no mercado de distribuição ou qualquer violacão à lei 6.385, que rege o mercado de valores mobiliários.

Reinaldo Domingos, presidente da DSOP Educação Financeira, lembra que qualquer transação que ofereça atalhos para ganhos escalonáveis dificilmente se sustenta. “Não existe negócio no mundo tão rentável a ponto de proporcionar uma transformação de vida em pouco tempo”, diz. “Há um processo de maturação, você constrói a independência financeira com anos e não de uma hora para outra. Tudo que você vai investir ganhando muito em pouco tempo deveria causar estranheza, não é mágica dobrar de patrimônio em dois meses, alguém vai pagar essa conta.”

Um dos casos mais conhecidos no mercado brasileiro envolveu o empresário Thales Emanuelle Maioline, em 2012, que ficou conhecido como “Madoff mineiro”. Ele atraía clientes mesmo sem ter registro na CVM. Foi multado em R$ 500 mil pela CVM e inabilitado de exercer a atividade de administração de carteira durante 10 anos. Sua consultoria e administradora financeira, a Firv, recebeu as mesmas penalidades.

Entre os casos recentes está o da JJ Invest, empresa de Jonas Jaimovick, envolvida em uma fraude de R$ 170 milhões. A empresa prometia retorno de até 10% ao ano e sumiu com o dinheiro dos investidores. Atualmente, Jonas é considerado foragido. No fim de janeiro, a CVM emitiu um alerta ao mercado informando que o empresário não tinha autorização para exercer a atividade de administração de carteiras e consultoria de valores mobiliários.

Um alerta do regulador também foi emitido para Olavo Renato Martins Guimarães e a Wolf Invest, empresa de Belém (PA) que oferece serviços de investimento. Uma das publicações no Facebook da Wolf diz: “Já pensou se um investimento seu rendesse 300% em pouco mais de dois anos? Nós já”. Em uma apresentação a investidores obtida pelo Valor, a empresa promete retorno de 2% a 5% para quem indicar novos clientes e garante rendimentos mínimo de 10% a 12,5%, de acordo com o montante aplicado.

A CVM ainda analisa uma denúncia contra a Unick, que também é alvo de investigação do MPF de Novo Hamburgo (RS). A empresa, que faz marketing multinivel com criptomoedas, promete retorno de 1,5% ao dia. Em uma apresentação, cita que um aporte de

R$ 1.198 pode se transformar em mais de R$ 1 milhão em cinco anos. Em nota em seu site, a empresa afirma que “ser investigado é algo normal em qualquer sociedade, todavia isso não quer dizer que a Unick cometeu algum crime contra a economia popular”.

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