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Publicado em 28/08/2018

Bancos retomaram 70 mil imóveis por falta de pagamento desde 2014 (Estadão)

Com a alta inadimplência nos financiamentos imobiliários provocada pela crise econômica, o número de imóveis retomados pelos bancos disparou nos últimos anos. Desde o início de 2014, as cinco maiores instituições financeiras do País retomaram R$ 11,5 bilhões em imóveis por falta de pagamento. O setor estima que essa cifra corresponde a cerca de 70 mil casas e apartamentos.

A inadimplência cresceu à medida que a crise elevou o desemprego e reduziu a capacidade financeira das famílias. Atualmente, os cinco maiores bancos têm o volume recorde de R$ 13,7 bilhões em imóveis à espera de um interessado – incluindo as unidades que já estavam no estoque –, cifra que cresceu 745% em quatro anos e meio.

Números nos balanços do Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco e Santander revelam que, juntas, as instituições tiveram aumento médio de quase R$ 2 bilhões no volume de imóveis retomados a cada ano entre 2014 e o ano passado. O ritmo continua forte em 2018 e, em apenas seis meses, bancos tomaram mais R$ 1,48 bilhão em casas e apartamentos de inadimplentes.

A líder no setor imobiliário, a Caixa, encabeça esse movimento, com cerca de 70% desse total de unidades retomadas. Em junho, eram cerca de 47 mil imóveis de clientes que, somados, valiam R$ 9,1 bilhões. Em 2016, o estoque era menos da metade: 23 mil unidades.

O mesmo fenômeno acontece nos concorrentes, ainda que com ritmo um pouco menos intenso. Desde o início de 2014, Bradesco, Santander e Itaú somaram, cada, cerca de R$ 1 bilhão a essa carteira. O BB teve aumento menos expressivo, com R$ 116 milhões no período.

“São números que chamam atenção. Se continuarmos observando esse movimento por mais um ou dois anos, poderemos ter um problema razoável”, avalia o professor de finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, Rafael Schiozer. O professor nota que o principal risco para os bancos é a queda do preço dos imóveis, o que reduz a possibilidade de a instituição reaver o dinheiro emprestado.

Velocidade da retomada

O presidente da Associação dos Mutuários de São Paulo, Marco Aurélio Luz, explica que bancos normalmente retomam o imóvel em processos que duram de seis meses a um ano, mas há casos mais rápidos. Imóveis financiados pelo Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) – acima de R$ 950 mil em São Paulo, Rio, Minas e e Distrito Federal e R$ 800 mil nos demais Estados – podem ir a leilão em 90 dias. A retomada de imóveis financiados pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que têm valores abaixo dos limites do SFI, costuma demorar alguns meses a mais.

Esse esforço dos bancos em despejar os clientes rapidamente gera efeito positivo nos indicadores de inadimplência. Isso acontece porque, com a retomada do imóvel, a operação deixa de ser considerada “crédito inadimplente” e passa a ser um “ativo” do banco. A posse desses imóveis, portanto, acaba amenizando os indicadores de calote.

Segundo o Banco Central, o porcentual dos financiamentos imobiliários para pessoas físicas com inadimplência superior a 90 dias tem oscilado em torno de 2% desde o início da década. Ou seja, atrasos no pagamento são cada vez mais frequentes, mas o banco corre para liquidar a operação antes que isso seja visível na inadimplência.

Retomar um imóvel por falta de pagamento não é algo que um vendedor queira realmente fazer. Segundo os bancos, essa é a última alternativa de um longo esforço para não perder o cliente com dificuldade em manter pagamentos em dia. Quando a retomada do imóvel é concretizada, a instituição financeira começa outra corrida: tentar vender o mais rápido possível, porque manter esses ativos no balanço é caro e ainda reduz o capital para emprestar em outras operações.

“Logo que percebemos o atraso, a Caixa começa o contato com o cliente para oferecer novas condições ou renegociar, porque a nossa intenção é que o cliente continue com o imóvel”, diz o vice-presidente de logística e operações da Caixa Econômica Federal, Marcelo Ramos Prata.

Outros bancos têm o mesmo procedimento. “A opção pela retomada é a última e ocorre apenas quando todas as opções de renegociação não foram efetivas”, informou o Itaú Unibanco. No banco, só 0,7% das operações acabam em entrega do imóvel.

O diretor de crédito e recuperações para pessoa física do Santander, Cassio Schmitt, explica que, antes de retomar, a instituição tenta se adequar à nova capacidade de pagamento do cliente. O volume de renegociações cresceu seis vezes em dois anos no Santander. No Banco do Brasil, os contratos repactuados cresceram 15% no primeiro semestre.

Quando não há saída, o banco executa a garantia da operação, que é o próprio imóvel. Na Caixa, já são 47 mil casas e apartamentos em estoque – o que coloca o banco como uma das maiores imobiliárias do País.

Isso gera outro problema. Rafael Schiozer, professor de finanças da FGV, nota que, além do prejuízo com o calote do mutuário, o banco ainda tem gastos para manter essas unidades. “Além disso, quanto mais ativos imobilizados desse tipo, menor será a capacidade de oferecer novos créditos.”

Aumento nas devoluções

Para evitar esse problema, a Caixa tem investido para acelerar a venda dos imóveis e montou estrutura com 450 empregados em 12 cidades do País. O esforço fez com que o volume de vendas saltasse de R$ 450 milhões em 2016 para R$ 1 bilhão no ano passado. Neste ano, a cifra deve somar R$ 1,6 bilhão.

O Banco Central reconhece que há aumento na devolução de imóveis. “Desde 2014, verifica-se aumento do fluxo de retomada de imóveis de devedores inadimplentes. No entanto, o montante em imóveis é pequeno e não representa risco para as instituições ou para a estabilidade financeira”, avalia o mais recente Relatório de Estabilidade Financeira da instituição.

Leilão envolve riscos

O principal cuidado ao comprar um imóvel retomado em um leilão é o risco relacionado às unidades ocupadas. Muitas das residências oferecidas ainda estão com os mutuários inadimplentes e, nesse caso, o comprador é quem arca com o processo de reintegração de posse da nova casa.

“O ônus é de quem compra. Essa é a maior diferença para uma compra tradicional e pode inibir alguns clientes”, diz o presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Flavio Amary. O executivo diz que, nesses casos, não é possível prever prazos e custos relacionado à essa desocupação.

Bancos têm um amplo cardápio para mutuários com problemas no orçamento. Aos que estão com pagamentos em dia, as opções são mais vantajosas. É possível, por exemplo, pedir a interrupção nos pagamentos na Caixa Econômica Federal ou no Santander. Em alguns casos, são oferecidos até 12 meses de pausa nos boletos. Também há alternativas para quem já está com parcelas em atraso.

O surgimento de problemas no pagamento em uma linha de crédito de longo prazo, como o financiamento imobiliário que pode ter até 30 anos, é algo esperado pelos bancos. “Por se tratar de operação de longo prazo, está sujeita a imprevistos até a sua liquidação, como redução da renda, aumento das despesas com o nascimento de filhos e até mesmo a perda inesperada do emprego”, cita o BB.

Por isso, a instituição oferece opções que podem ser adotadas durante o contrato, como a reprogramação dos pagamentos com apenas 11 parcelas no ano. Nesse caso, o valor não pago em um mês é diluído nos seguintes.

Também há opções para quem já está com alguma parcela em atraso. Nos financiamentos com recursos do FGTS, grande parte dos bancos permite usar o saldo do trabalhador para quitar parte das prestações. Para reduzir o valor da parcela, também é possível repactuar toda a dívida com alongamento dos prazos. 

No Itaú Unibanco, as medidas propostas vão desde a orientação financeira para o cliente lidar com situações imprevistas até a ampla reorganização da situação financeira. Uma das iniciativas do banco é a realização de feirões de renegociação. 

Os bancos têm sido mais ativos nessas questões. “A atuação é preventiva. Ligamos ativamente oferecendo ofertas mesmo quando ainda estão adimplentes”, diz o diretor de crédito e recuperações de pessoa física do Santander, Cassio Schmitt.

O sonho de Mírian Bigão Moretti acabou em 17 de outubro de 2017. Naquela terça-feira, a professora foi avisada de que o apartamento 903 do Edifício Enseada não pertencia mais à família Moretti. “O apartamento tinha uma varanda enorme. Avisaram em uma carta que não era mais nosso. Deve estar imundo, deve estar uma tristeza lá dentro.”

A economia ainda crescia quando a professora e o comerciante Wellington Ferreira começaram a pensar em trocar de imóvel. Colocaram à venda o antigo e pequeno apartamento e começaram a procurar outro na Ponta da Praia, em Santos, bairro onde o casal morava.

Encontraram um de três quartos e 141 metros quadrados de frente para o mar e a poucos metros da balsa que liga Santos a Guarujá. Pelo apartamento no 9.º andar do segundo mais antigo edifício construído na orla santista o casal ofereceu R$ 500 mil. Foram R$ 150 mil de entrada e o restante seria financiado em mais de 20 anos pelo banco Santander.

“Começamos a pagar os boletos em julho de 2015. A parcela era de R$ 5.148,30 e ia caindo aos poucos”, lembra. “Eu dava aula na rede municipal e meu marido cuidava da nossa loja de pescados. Tudo ia muito bem.” Naquela época, o Empório Fera Mar garantia boa parte das contas da família com a venda de pescados congelados, vinhos e temperos. “Mas aí veio a crise, o movimento caiu e cheques começaram a voltar. Nossa renda tinha caído à metade.”

Sem dinheiro, Mírian diz que o pagamento dos boletos começou a atrasar no primeiro semestre de 2017. “Deixamos de pagar uma e depois duas parcelas. Tentamos negociar, mas as condições eram muito duras.”

Quando a família acumulou três meses sem pagamento - pouco mais de R$ 15 mil -, uma empresa contratada pelo banco começou a pedir quase R$ 25 mil para evitar o despejo. “Tentei falar com o gerente da agência bancária, mas a dívida não estava mais lá.”

O Santander informou que “ofereceu diferentes alternativas de renegociação, incluindo fluxos de pagamento flexíveis, visando à adequação do vencimento e dos valores das parcelas à capacidade financeira da cliente”. Entre as propostas oferecidas ao casal houve até oferta de orientação financeira, diz o banco.

Procedimentos adotados

Mesmo assim, Mírian reclama que todo o processo de cobrança, liquidação e entrega do imóvel foi muito rápido. “Foram quatro ou cinco meses entre o atraso, a tentativa de negociar e o dia em que entregamos a chave na mão do juiz. Me dá até vontade de chorar”, lamenta.

Ela ressalta ainda que os procedimentos adotados pelo banco ignoraram dificuldades da família, como a filha de 13 anos com Síndrome de Down, e ainda expuseram o caso sem necessidade. “Ainda morávamos lá quando entregaram um folheto em cada caixa de correio do prédio para anunciar que nosso apartamento seria retomado e oferecido em leilão. Precisavam nos expor assim?”

O banco diz que o leilão “tem como objetivo a obtenção de melhores preços de venda”. Conforme o valor de venda da unidade em leilão, explica o Santander, pode haver, inclusive, “crédito ao cliente caso os valores superem os débitos”.

No site do banco, o apartamento 908 do Edifício Enseada aparece como “vendido”. Apesar disso, Mírian diz que não recebeu nenhum centavo até agora.

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