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Publicado em
23/08/2018
Em junho, a indústria cresceu 13,1% em relação a maio, quando caiu 11% prejudicada pela greve dos caminhoneiros. Em julho, o nível de utilização da capacidade instalada nas fábricas subiu para 68%, o mais alto em quatro anos.
— Os planos de investimentos serão adiados. Hoje, não se sabe quais candidatos poderão ir para o segundo turno. Por isso, ficará tudo em modo de espera e sem mais contratações. O dólar é um reflexo da incerteza — avalia Flávio Castelo Branco, gerente executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI).Um levantamento feito pela consultoria Economática mostra que a valorização do dólar este ano, até 22 de agosto, já é a quinta maior desde o lançamento do Plano Real, em 1994. A dificuldade de prever até onde vai essa escalada levou a fabricante de produtos de limpeza Limppano, com duas fábricas no Rio, a antecipar a compra de matérias-primas nos últimos dias.
— Preciso negociar com o varejo e saber qual será minha margem. Com essa instabilidade, vou pisar no freio e cortar investimentos em marketing, pesquisa e desenvolvimento de produtos — diz o diretor-geral, Alex Buchheim, que prevê que o crescimento da produção no segundo semestre será menor que os 17% do início deste ano. — O dólar só vem piorar o cenário para a indústria, que já foi prejudicada pela greve dos caminhoneiros e a alta do petróleo.
A indústria farmacêutica, que tem 95% dos insumos importados, fez planos estimando o dólar no patamar de no máximo R$ 3,80 neste segundo semestre. Como não pode repassar a alta para os preços, já que remédios são reajustados pelo governo uma vez ao ano, as empresas vão mexer na operação, diz Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma, que representa o setor:
— Algumas matérias-primas trazidas da Índia e da China tiveram reajuste de até 200%. Como a maioria das empresas não fez hedge (proteção para risco cambial), um dos caminhos para amortizar a elevação do dólar será reduzir os descontos nas farmácias, diminuir o investimento em marketing, postergar lançamento de produtos e cortar investimentos.
PEQUENAS TAMBÉM SOFREM
No setor de vestuário, Julio Dashis, sócio da Enjoy, grife que tem uma fábrica e 32 lojas no Rio, afirma que matérias-primas como tecidos também já estão mais caras:
— Temos de repassar ao consumidor. O crescimento da indústria pode ter uma pausa em meio a toda essa insegurança.
Para Rogério Araujo, coordenador de planejamento da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), setores como siderúrgico, químico e farmacêutico estão entre os mais impactados negativamente pela alta do dólar, já que utilizam boa parte de insumos importados.No entanto, ele observou que a oscilação do dólar é um movimento de curto prazo, diferentemente do horizonte de longo prazo das decisões de investimento:
— O benefício de aumento das exportações para a indústria brasileira, por conta de um dólar mais alto, não é imediato, já que os contratos são pré-definidos. O que importa é o horizonte mais longo para que sejam tomadas as decisões de investimento — diz Araujo, que avalia que boa parte das indústrias já esperava por oscilações do câmbio neste ano eleitoral e fez hedge.
As companhias aéreas formam outro segmento muito exposto às oscilações cambiais, com pelo menos 50% dos custos atrelados ao dólar. A moeda influencia o preço do combustível e os custos com arrendamento, seguro e manutenção de aviões.
A Abear, associação que reúne as companhias aéreas, informou que cada companhia tem uma estratégia diferente para se proteger dessas variações, mas classificou a desvalorização do real como “um duplo veneno” para o setor ao elevar custos e inibir a demanda por viagens, especialmente para o exterior.O dólar também afeta setores da agroindústria, porque influencia o preço internacional de commodities que são insumos. Leandro Pinto, presidente do Grupo Mantiqueira, maior produtora de ovos da América Latina, destaca o impacto no preço da soja e do milho, usados na dieta das aves:
— Isso nos impede de reduzir custos e nos obriga a repensar planos e diminuir um pouco a produção até que o panorama se reequilibre. Acredito que a alta do dólar trará uma pequena inflação, com alta nos preços de itens como ovo, frango e carne bovina.
A Atelier dos Sabores, que produz 15 toneladas de tortas e salgados por mês em São Cristóvão, na zona Norte do Rio, já sentiu um aumento de 5% na compra de alimentos importados, como damasco e nozes.
— Se o dólar se mantiver em elevação, é bem provável que, com o término dos estoques, novas remessas sofram reajuste ainda maior — destaca Claudia Lisboa, diretora do Atelier.
Dono de uma pequena indústria de alimentos que produz temperos, ketchup, mostarda, caldas e chantily, o micro empresário Lucas Onofre, de São Paulo, tomou um baque com o dólar a R$ 4. Quase toda a matéria-prima usada por ele nesses produtos é importada e, portanto, exposta às variações do câmbio. Onofre fez os cálculos das vendas com o dólar a R$ 3,40. Agora, terá que reduzir margens para não perder clientes.
— Não posso repassar o preço e perder clientes nesse cenário de economia mais fraca — diz o microempresário, que calcula uma redução bastante expressiva de seu lucro este ano.
Assim como Onofre, outras 700 mil micro e pequenas empresas paulistas declararam que estão sendo impactadas pela alta do dólar, segundo uma pesquisa feita pelo Sebrae/SP com 1,7 mil empresários do comércio, serviços e indústria. O número representa 47,6% das MPEs paulistas.
O consultor do Sebrae-SP, Pedro Gonçalves, observa que mesmo que pequenas empresas não exportem ou importem insumos e produtos, acabam sendo impactadas já que trabalham com matérias-primas cotadas no mercado internacional. Por exemplo, microempresas metal-mecânicas que utilizam ferro ou pequenos comércios que vendem produtos derivados do milho. Os dois produtos têm preços definidos no mercado internacional.
— Além disso, essas microempresas, pelo pequeno volume financeiro girado, não têm acesso ao mercado financeiro para fazer operações de hedge — diz Gonçalves.
A alta brusca do câmbio impactou diretamente a atividade da Madecor, pequena empresa de São Paulo que imprime logomarcas em vidros de perfume. Todas as tintas e fitas usadas para a impressão são importadas dos Estados Unidos, Alemanha ou França. Leonice Gomes, que fundou a empresa há seis anos, diz que o primeiro semestre deste ano foi o pior da história da Madecortanto pelo baixo fluxo de pedidos quanto pela obrigatória redução de margem de lucro por causa da elevação das cotações do dólar. Não à toa, a empresa ajustou seu quadro de empregados: que reduziu de 33 para 23 trabalhadores.
— Como são produtos muito caros, nós fazemos as compras semanalmente, o que nos deixa muito expostos às oscilações — disse, para completar: — Com o cenário de crise, é impossível repassar ao cliente o aumento no preço causado pela alta da cotação. Dessa forma, absorvemos o aumento, reduzindo nossa margem de lucro.