FECHAR

Imprimir
Publicado em 07/03/2017

CVM vê irregularidades graves na Saraiva (Valor Econômico)

A gerência ligada à Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) identificou potenciais irregularidades “muito graves” no comportamento da diretoria da rede de livrarias Saraiva e decidiu encaminhar o caso para análise mais aprofundada. O órgão quer verificar se há uma prática deliberada de subavaliação ou superavaliação de provisões e resultados na empresa.

Numa troca de e-mails em abril de 2016, com a diretora de um fundo acionista na época, o presidente da empresa, José Saraiva Neto, afirmou que escondia lucro numa provisão com o intuito de incentivar empregados a elevar as vendas.

A questão também deve ser direcionada para a Superintendência de Normas Contábeis da CVM (SNC), que vai verificar se os auditores tiveram papel em coibir ou facilitar atos “aparentemente irregulares”, diz a SEP. A auditoria da empresa era a KPMG na época. A informação foi obtida pelo Valor, com base em acesso autorizado pela CVM a dados dos processos.

O caso foi analisado pela gerência de acompanhamento de empresas 3 da SEP, responsável por avaliar a disputa entre a Saraiva e a sua ex-acionista, a GWI Asset Management. As partes se desentenderam publicamente no ano passado e ao menos quatro processos foram abertos na CVM, solicitados pelos próprios acionistas – a família Saraiva, a GWI e alguns sócios minoritários.

O relatório final, concluído em janeiro, concentra o teor e a análise da postura das partes em relação a certas questões entre os sócios.

Num desses pontos, a GWI argumenta que a Saraiva está em difícil situação financeira, e embora precise de uma gestão profissional, elegeu um diretor-presidente, Jorge Saraiva Neto, inepto para o cargo, na avaliação do fundo. A gerência da CVM entende que esta é uma questão subjetiva, que não cabe à autarquia se posicionar. E diz que a eleição de um gestor supostamente incapaz não configura abuso de poder de controle da Saraiva.

Mas a superintendência faz um destaque específico sobre uma alegação de fraude contábil. Numa troca de e-mails, em 10 de abril de 2016, entre Ana Recart, diretora da GWI, e Saraiva Neto, o presidente esclarece uma dúvida sobre o lucro bruto da empresa verificado de janeiro a fevereiro daquele ano. O valor estava R$ 3,5 milhões menor do que o apurado inicialmente. “A razão disso é que escondemos esse valor em uma provisão, fazemos isso pois é uma antiga prática do varejo, com isso, a equipe de pricing [que define o preço dos produtos] e comercial acredita que está aquém da meta e com menos folga para descontos, no final de cada tri [trimestre] analisamos se é o caso de guardar mais ou aumentar resultado”, escreveu o executivo.

Ao trazer a questão à gerência da CVM, a diretoria da GWI alegou possível fraude financeira. A CVM informa que Saraiva Neto, já questionado pela gerência, não negou a autoria do e-mail nem a prática, e a defendeu. Afirmou ser uma estratégia comum do mercado. O caso foi encaminhado à gerência de acompanhamentos de empresas 5, que deve ainda comunicar o caso à SNC, que fiscaliza auditorias.

“Aumentam-se provisões referentes a eventos inesperados, como perdas de estoque, para induzir a percepção de que o resultado está abaixo da meta e incentivar responsáveis a aumentar as vendas”, diz a gerência da CVM, repetindo a defesa do presidente.

No primeiro trimestre de 2016, a provisão com perdas em estoque foi de R$ 2,8 milhões, R$ 800 mil acima do apurado em ano anterior. O lucro bruto subiu 5%, para R$ 172,6 milhões. O lucro líquido, diretamente afetado por provisões, foi de R$ 266 mil, versus perda de R$ 9 milhões um ano antes.

Para Jorge Saraiva Neto, a forma como a empresa contabiliza provisão “é de livre abastecimento da administração” dependendo só de seu entendimento sobre riscos e estratégia, “estando assim alçadas pela regra de proteção à decisão” da empresa.

Para a CVM, a declaração de Neto é “indicativa de potenciais irregularidades muito graves e as explicações oferecidas na tentativa de justificá-las são, no mínimo, tecnicamente equivocadas”. A gerência entende que a prática “implica uma deliberada subavaliação ou superavaliação de provisões e resultados, que é frontalmente contrária aos atributos de representação fidedigna e neutralidade das demonstrações contábeis”.

Para a gerência, a gravidade desses fatos justifica a instauração de processo administrativo sancionador. “Para tanto, todavia, é necessária uma análise das demonstrações contábeis, com objetivo de identificar exemplos concretos em que o comportamento descrito por Jorge Saraiva Neto tenha se materializado”, diz.

Especialistas criticam a ação da Saraiva. “Isso é fraude contábil. É algo inadmissível porque usa de um artifício gerencial para tentar motivar funcionários. Se o gestor quer ajustar suas premissas de vendas, o faça no orçamento, e não no material contábil da companhia”, diz Alexandre Queiroz, coordenador do curso de Ciências Contábeis do Ibmec/MG.

“Eles falham na prestação de contas que precisa ser feita de forma responsável, em conformidade com as normais internacionais e com transparência das práticas dentro e fora da companhia”, diz Adriana Solé, professora convidada de Governança Corporativa do IBGC. A Saraiva está no nível 2 de governança na BM&FBovespa

Procurada, a Saraiva afirmou que não se manifestará sobre a questão. A diretoria ainda não foi notificada da decisão da gerência, apurou o Valor, e só após a direção ser informada e apresentar sua defesa, a CVM pode abrir ou não um processo administrativo.

Segundo fonte ouvida, a Saraiva deve alegar que a troca de e-mails entre as partes era uma informação “gerencial” e “interna” da companhia e se refere a um dado parcial de um trimestre, ainda não auditado naquele momento, e que o e-mail foi “mal interpretado”.

Procurada, a KPMG no Brasil informa que, por motivos de cláusulas de confidencialidade, não pode se manifestar sobre o assunto.

A CVM ainda não analisou duas acusações, por parte da Saraiva, de uso de “insider trading” e manipulação do mercado pela GWI, mas deve fazê-lo. A gerência da CVM deu a entender que o caso é delicado. Diz que há uma confusão de papéis na diretoria da GWI – o gestor da GWI faz pedidos relacionados a reuniões do conselho de administração, mas usa a qualidade de acionista para cobrar as respostas. “Isso reforça suspeitas de práticas mais graves, como o uso de informações privilegiadas, em linha com alegações da Saraiva e que no momento estão sendo objeto de apuração pela SMI [superintendência de mercado]. Caso confirmadas tais suspeitas […], um processo sancionador pode mostrar-se adequado”.

No mesmo relatório, a gerência da CVM toma uma posição sobre a abertura de ação de responsabilidade da Saraiva contra Mu Hak You, dono da GWI, e a diretora Ana Maria Recart. Os dois tiveram que sair do conselho porque, em assembleia de acionistas, a empresa decidiu processá-los. A gerência da CVM entende que nem a família Saraiva nem a GWI deveria ter votado neste caso. E ao se excluir seus votos, ainda teria sido aprovada a ação contra Hak You. Mas não venceria mesma proposta em relação à Ana Maria. Ao fim, a gerência não propõe que se abra processo sancionador contra a GWI.

Video institucional

Cursos EAD

Fotos dos Eventos

Sobre o Sinfac-SP

O SINFAC-SP está localizado na
Rua Libero Badaró, 425 conj. 183, Centro, São Paulo, SP.
Atendemos de segunda a sexta-feira, das 9 às 18 horas.