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Publicado em
27/08/2020
Em um momento de extrema incerteza sobre os rumos das contas públicas no Brasil, os investidores foram surpreendidos por novos sinais de atrito entre o presidente Jair Bolsonaro e as diretrizes da equipe econômica de Paulo Guedes. E o centro do embate foi justamente a questão fiscal - de modo mais específico, os meios de financiamento do Renda Brasil -, o que agravou as preocupações no mercado desencadeando uma forte queda do Ibovespa e a disparada do dólar.
Diante da busca por proteção, a moeda americana chegou a bater R$ 5,63 no momento mais tenso do dia, para depois se acomodar e fechar em R$ 5,6164, alta de 1,62%. Esse é o maior valor de fechamento desde 20 de maio, quando encerrou em R$ 5,6875.
Já o principal índice da bolsa de valores fechou em queda de 1,46%, aos 100.627 pontos, depois de tocar 99.359 pontos na mínima do dia. Apenas nove ações que compõem o Ibovespa escaparam, todas as demais caíram. Além disso, o volume financeiro acusa que o susto foi grande. Depois de pregões mais mornos, o giro foi de R$ 22,8 bilhões - acima da média diária em 2020, de R$ 20,7 bilhões.
Além de todo o nervosismo vindo das declarações de Bolsonaro, os comentários da assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, durante evento promovido pelos jornais Valor e O Globo, caíram mal no mercado, principalmente nas ações de bancos. Ela disse que a chamada “nova CPMF”, eventual tributo em análise pelo governo, não será aplicada somente para meios digitais, tendo um alcance mais amplo. Com isso, o principal segmento do Ibovespa sofreu com forte queda de BB ON (-2,41%), Bradesco (-2,24% a ON e -2,08% a PN), Itaú PN (-2,10%) e das units do Santander (-2,54%)
Parte do mercado vê a forte depreciação dos ativos locais, após declarações do presidente Jair Bolsonaro, como “exagerada”. No entanto, a magnitude do movimento evidencia o momento de insegurança dada a fragilidade das contas públicas.
Na visão de Patricia Pereira, estrategista da MAG Investimentos, a declaração de Bolsonaro “caiu como uma bomba” por externalizar as discussões internas do governo. “Nós até esperávamos que ele pudesse falar aquilo para a equipe econômica, mas não que fosse lavar a roupa suja em público”, afirma. Para ela, o mercado nota que o trabalho de Guedes e de sua equipe fica, assim, mais difícil.
“Bolsonaro não tem ajudado na comunicação, além de ter rumado para um lado mais populista. Colocar o valor do programa em torno de R$ 300 e não aceitar o fim do abono salarial deixa a situação ainda mais complexa”, afirma.
Ontem, o presidente criticou publicamente a proposta apresentada pela equipe econômica para o benefício que deve substituir o Bolsa Família. Bolsonaro é contra o fim do abono salarial, o benefício concedido a trabalhadores que recebem menos de dois salários mínimos por mês. Mas, a extinção do programa e a transferência de seus recursos era uma das principais apostas de Guedes para “turbinar” o valor do próximo benefício.
Assim, aumentaram as dúvidas entre os investidores sobre as alternativas para financiar o Renda Brasil e, consequentemente, os temores sobre a elevação de gastos públicos sem contrapartidas suficientes para amenizar o rombo orçamentário.
“De um lado, há a pressão para a criação de um benefício permanente com elevado impacto fiscal. De outro, o presidente demonstrou não apoiar a solução da área econômica de fazer a consolidação dos programas atuais. Assim, fica complicado encontrar uma saída para acomodar o gasto do Renda Brasil sem o estouro do teto. Será preciso buscar uma solução, mas até lá será normal os mercados adotarem uma postura cautelosa”, explica Silvio Campos Neto, economista da Tendências.
Não à toa, prevalece a apreensão diante do equilíbrio delicado entre estímulos ficais que ajudam a evitar uma crise maior e a necessidade de ajuste de contas públicas. Alguns profissionais afirmam, inclusive, que a ideia ventilada nos últimos dias de ampliar os gastos públicos e aprovar reformas estruturais na contrapartida não convence, uma vez que não há garantia de que a compensação fiscal ocorrerá.
Para Pedro Dreux, gestor da Occam, o mercado não exagerou na reação. “O presidente deseja continuar com os auxílios e isso pega de frente a nossa maior fragilidade no momento. O fiscal é o nosso ponto fraco. Cada vez está mais claro que o teto de gastos em 2021 está ameaçado e, por mais que se fale em aumento de impostos, a questão do teto não seria resolvida por isso. O movimento não está exagerado e, pelos riscos, os preços estão até bem comportados.”
Talvez mais que o conteúdo em si, o tom das declarações de Bolsonaro - escancarando a divergência de opiniões com Guedes - ajudou a reviver as especulações de “fritura” do ministro. O burburinho foi tamanho que o Ministério da Economia divulgou nota negando que uma coletiva de imprensa estaria sendo organizada para anunciar sua demissão. “O Ministro continua despachando normalmente”, informou a pasta.
“A notícia em si não é boa, mas não é ruim também. Bolsonaro não sinalizou que ia gastar mais ou coisa do tipo”, diz Victor Candido, economista da Journey Capital. “Mas o mercado está com medo de um Guedes mais fraco, então não está topando nenhuma surpresa. Qualquer notícia que envolva o programa ou a parte fiscal assusta.”
O mercado de juros, por exemplo, viu motivo para a forte incorporação de prêmio de risco. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 - a mais negociada do dia - avançou de 3,95% para 4,11% no fechamento. Já a do DI para janeiro de 2027 saltou de 6,77% para 6,98%.