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Publicado em 16/04/2020

Fundos de crédito privado chacoalham pela 2ª vez em menos de um ano. Entenda o que está acontecendo (Valor Econômico)

Os fundos de crédito privado parecem não sair nunca de seu inferno astral, que começou em meados de 2019. Em março, a rentabilidade média desse segmento de fundos, segundo dados levantados pelo Valor Investe, foi de -1,54% e 80% das carteiras que compõem a categoria deram prejuízo, sendo a pior perda entre eles de -13,42%. Este é o segundo mês em menos de um ano que essa classe de fundos dá dor de cabeça aos cotistas.

Para ajudar o segmento, o Conselho Monetário Nacional (CMN) até autorizou o Banco Central a conceder empréstimos a instituições financeiras garantidos em debêntures adquiridas entre 23 de março e 30 de abril de 2020. Nesta segunda-feira, o BC autorizou as instituições financeiras a deduzirem dos depósitos compulsórios a prazo as Letras Financeiras (LFs) de emissão própria recompradas neste período crítico. A ideia é, com isso, prover liquidez ao mercado secundário de dívida corporativa, afetado também pela pandemia do novo coronavírus.

Mas, o que está acontecendo neste mercado? Por que ele precisou ser “socorrido”?

O Valor Investe ouviu especialistas para entender por que os fundos de crédito privado, que até pouco tempo estavam no auge da sua popularidade, com presença garantida na carteira recomendada de muitos consultores e assessores e Youtubers, estão dando prejuízo.

A explicação é uma combinação de fatores: a turbulência econômica causada pelo novo coronavírus; o aumento do risco de crédito das empresas emissoras de títulos de dívidas; uma certa paralisação do mercado secundário de dívida; aliados a uma mudança de postura do próprio investidor.

A primeira explicação é simples: a crise provocada pela paralisação da atividade econômica, reflexo da pandemia do novo coronavírus, mexeu com todo o mercado financeiro. A falta de previsibilidade do que irá acontecer e qual o fundo do poço, levou à irracionalidade e ao pânico. Nestes momentos, as pessoas costumam seguir uma de duas direções: agir por impulso ou paralisar. Ambas reações são um perigo para o mercado financeiro e as duas foram responsáveis pelos problemas no mercado de crédito privado.

Impulso - A bolsa brasileira nunca sofreu tanta volatilidade como agora. Seis "circuit breakers" (paralisações temporárias dos negócios após quedas de um determinado percentual) em menos de um mês mexe com os ânimos e o psicológico. Diante disso, teve quem saiu vendendo tudo para evitar perdas maiores e quem tirou dinheiro de outras aplicações para comprar mais ações ou fundos de ações, para esperar a volta à normalidade e recuperação.

Seja para deixar na conta corrente ou para aproveitar oportunidades na bolsa, os pedidos de resgates em fundos de crédito privado, especialmente aqueles com liquidez diária ou em poucos dias, aumentaram e obrigaram alguns gestores a aumentar o caixa, vendendo os títulos mais líquidos, que são mais fáceis de encontrar comprador. Outros gestores, vendo o que acontecia no jardim do vizinho, ficaram com receio e quiseram vender mais papéis para elevar seu caixa, se prevenindo caso também sofresse resgates. Aí veio o problema: quase não tinha comprador no mercado.

Segundo dados da Anbima, nos três primeiros meses do ano, o segmento de fundos de crédito privado teve captação líquida negativa em R$ 36,63 bilhões, valor que só não foi mais alto porque em março um fundo exclusivo com recursos de um banco comercial (não identificado) captou R$ 7 bilhões. No mesmo período, entraram R$ 45 bilhões a mais nos fundos de ações. A indústria de fundos de crédito, que finalizou janeiro com patrimônio líquido de R$ 1,143 trilhão, tinha 4,3% a menos ao fim de março (R$ 1,094 trilhão), ainda de acordo com a Anbima.

Paralisia - Os bancos, grandes compradores dessas debêntures, fecharam as torneiras quando viram o risco de crédito corporativo subir. Os demais gestores, que aproveitaram oportunidades na onda anterior de remarcação de ativos, ficaram paralisados, sem entender a dimensão da crise que estava começando e como isso afetaria as empresas.

Nesses casos, a Lei da Oferta e Demanda funciona muito bem: se há um excesso de oferta em relação à demanda, o preço cai. E foi isso que aconteceu.

“A liquidação foi vista principalmente em fundos mais líquidos. As pessoas venderam posições mais por uma questão de incerteza. O problema é que muita gente está saindo em momento que deveria estar entrando ou, pelo menos, não fazendo nada. Toda vez que o fundo de crédito rende negativo e não é um problema de inadimplência, é porque os juros futuros abrem (sobem) e o preço dos ativos cai”, explica Daniel Pegorini, CEO e gestor da Valora Gestão de Investimentos.

A Valora administra carteiras de crédito estruturado, alguns, inclusive, que a própria gestora ajudou na estruturação da dívida e distribuição. Os fundos, em geral, são de prazo mais longo de resgate, que foram menos atingidos – por ora, ao menos.

Um estudo feito pela consultoria Luz Soluções Financeiras a pedido do Valor Investe mostra justamente o impacto de toda a crise nas debêntures de empresas com nota de crédito “AAA”, a de menor risco – "o filé mignon" do mercado de dívida corporativa. Esses papéis de dívida tiveram um aumento de 40,05% nas taxas de juros ofertadas a investidores entre fevereiro e março deste ano.

Quando observados papéis com "ratings" (nota de crédito) “AA”, um nível abaixo, as taxas subiram 41,52%, enquanto os com rating “A” viram um aumento, em média, de 45,77% no período. O levantamento considera os papéis com remuneração indexada ao IPCA.

Um movimento parecido também foi visto no segmento de CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários). Pela análise da POP BR, entre fevereiro e março, em média, as taxas de juros dos CRIs com rating “AAA” subiram 37,92%. Mesmo com a queda de 13,34% observada em abril, os CRIs “AAA” acumulam um aumento de taxa de 18,80% no intervalo.

“A oscilação da taxa de juros dos CRIs e das debêntures reflete a desvalorização do ativo”, explica Elyson Takeo Okada Narita, analista da POP BR (Provedora Oficial de Preços Brasil). A consultoria lançou semana passada um serviço que se propõe a acompanhar os preços do mercado secundário de crédito corporativo diariamente.

A coronacrise levou a um aumento do risco de crédito (calote no pagamento de dívidas) no mundo todo, de ativos de crédito soberano (de governos) a títulos de dívida de empresas privadas. Aqui no Brasil não foi diferente. As agências de classificação de risco, como Moody’s, S&P Global Ratings e Fitch, estão trabalhando como nunca, analisando como cada notícia pode impactar o risco de crédito de empresas e governos. Dezenas de empresas brasileiras foram alvo de revisões negativas de notas/perspectiva e outras tantas estão em observação para possível rebaixamento.

“Uma coisa que é bastante importante: todos os setores vão ter algum tipo de impacto, companhias de consumo, shopping e autopeças são as primeiras, mas todos serão afetados”, disse em entrevista ao Valor Investe o Diego Ocampo, diretor sênior e especialista setorial de ratings corporativos da S&P Global Ratings.

As empresas de aviação – Gol, Azul e Latam - foram as primeiras a sofrerem, mas não as únicas. Com o fechamento de fábricas e comércio não essencial, além da ordem para quem puder trabalhar de casa, quase todo mundo, independente do porte e setor já sente ou vai sentir em breve algum efeito.

Nem os bancos devem sair sem feridas, ainda que menos profundas, ao que parece. Segundo o diretor da área técnica de Instituições Financeiras da agência de classificação de risco Fitch, Claudio Gallina, apesar de não ver um risco de liquidez nos bancos, já que estão bem capitalizados, há um risco de deterioração de qualidade de ativos do sistema bancário, o que pode impactar os resultados dos bancos em dentro dos próximos 12 meses.

“Por conta dos juros baixos (Selic), as empresas maiores aumentaram mais suas exposições no mercado de capitais nos últimos anos (não aumentaram significativamente o endividamento junto a bancos). E os juros baixos ajudam também o repagamento das dívidas. Mas é preciso ter geração de caixa. Quando falamos com os bancos, as exposições dessas empresas ao câmbio também não é um grande risco apesar da grande desvalorização do câmbio (real), explica o diretor da Fitch.

O fato é que o aumento de risco fez pressão nas condições de negociação dos ativos de crédito no mercado. É economia básica: se o risco aumenta, os investidores ficam mais inseguros de comprar aquele ativo e, para mantê-lo atrativo, o investidor que pagar menos pelo papel (então o preço cai), em compensação que receber mais (então o juro oferecido sobe).

Entre os fundos de crédito privado, alguns sentiram mais do que outros. A Devant, por exemplo, gestora especializada em crédito privado, conseguiu minimizar o prejuízo porque se antecipou ao coronavírus.

    No fim de dezembro, quando começaram a ouvir notícias sobre uma epidemia na China que poderia se alastrar, reformularam a carteira, colocando mais ativos indexados ao IPCA, IGPM e Selic e diminuindo títulos que remunerem apenas por um percentual do CDI. Outra decisão foi ser mais conservador e deixar 25% a 35% de seu patrimônio em caixa (antes, a estratégia era de ter em caixa cerca de 5 pontos percentuais a menos).

“Sabíamos que era um assunto que iria chegar ao Brasil, mas não sabíamos o tamanho, por isso, ficamos conservadores”, comenta Hélio Pio, responsável pela área de relações com investidores Devant.

Outra vantagem foi manter carteiras diversificadas em seus fundos de crédito privado, com não mais que 3% de concentração em um só emissor de dívida. “O que a gente entende como fundamental para controlar o risco é a diversificação. Temos mais de 25 setores da economia em nossos fundos, mais de 70 emissores dentro das carteiras. Nenhum segmento da economia com concentração maior que 20%”, explica. Também preferiram manter papéis – debêntures e letras financeiras – de grandes empresas, que tenham melhor nota de crédito e acreditam que essas empresas têm condições financeiras de sobreviver.

Mas, por mais que se pudesse ver o perigo se aproximando, o gigantismo do tsunami era imprevisível. Diante da mudança no risco e no próprio preço dos títulos no mercado secundário, fundos mais líquidos precisaram incorporar os novos valores em seus preços. No início de abril, por exemplo, a BNY Mellon, administradora e custodiante de grande parte dos fundos de crédito da gestora ARX, decidiu remarcar a taxa de todos os ativos emitidos por instituições financeiras – como CDBs e Letras Financeiras – sob sua custódia.

Segundo o comunicado, “a marcação a mercado tem como objetivo assegurar que todos os ativos reflitam, adequadamente, os preços atuais de mercado”. Mas, a ARX reitera que não há hoje problemas de crédito nas empresas investidas e que “os prêmios de crédito observados nos títulos de emissores 'high grade' não refletem a forte capacidade financeira destas empresas e instituições financeiras”.

Assim, espera uma reacomodação das taxas de juros e preços dos ativos nos próximos meses, devolvendo o impacto negativo da marcação a mercado. “A relação de risco e retorno dos ativos de crédito privado está em nível muito atrativo, em nossa análise”, diz.

Em entrevista ao Valor Investe no fim de março, Pierre Massari Jadoul, gestor dos fundos de crédito privado da ARX, já havia deixado claro que não via potenciais calotes. Explicou que a casa não tem fundos do tipo “high yield”, mais arriscados por ter ativos com menor nota de crédito na carteira, só “high grade”, de títulos com menor risco de crédito. Além disso, reforçou que os setores que apostam são mais defensivos, menos expostos aos problemas da coronacrise.

    “A grande maioria da carteira são empresas do setor de energia e saneamento, pouco afetados, e bancos (que estão bem capitalizados, com caixa alto e não vemos problemas no sistema financeiro)”, diz.

O executivo comenta ainda que as grandes companhias de commodities, como Petrobras, Vale, Klabin e Suzano, por exemplo, têm balanço robustos o suficiente para absorverem momentos como esse, segundo ele. Já as varejistas - Lojas Renner, Americanas e Magazine Luiza –, além de estarem com boa saúde financeira e de caixa também conseguem vender pelo canal on-line.

Para quem emitiu títulos de longo prazo, a exemplo das emissoras de debêntures incentivadas, uma vantagem adicional: como a economia já não ia bem há anos, as premissas usadas nos cálculos já não eram muito animadoras. “A grande maioria já contratou financiamento de longo prazo. Empresas que estão entrando nos leilões são mais robustas, têm mais fôlego e já possuem ativos mais maduros de infraestrutura”, comenta.

Mauricio Xavier, gestor de fundos de crédito privado da Rio Bravo, também concorda que, apesar de as companhias de primeira linha serem as que mais sofreram nesta atual onda de remarcação de preços, são ainda papéis com bom perfil financeiro e de crédito.

A maioria das empresas que tem seus papéis de dívida negociados no mercado de capitais, diz Xavier, é de empresas com bom perfil de crédito (ratings “AAA” e “AA”), que tiveram bons resultados em 2019, reduziram o endividamentos nos últimos anos, alongaram suas dívidas e reduziram custos. Enquanto isso, aumentaram receita e rentabilidade.

“Por serem boas emissoras, ainda não foi vista indicação de possível calote no pagamento de suas dívidas”, diz o executivo. Mas, há variáveis a serem consideradas. “A depender da duração do período de quarentena e do seu impacto nas atividades dos emissores, pode ocorrer, no médio prazo, necessidade de renegociação ou adequação de termos de alguns instrumentos de dívida. Isto não significa aumento de inadimplência ou calote, mas sim eventuais ajustes a serem acordados entre credores e investidores”, reitera Xavier.

Alta liquidez do balanço e dívidas de prazo mais longo serão, segundo ele, trunfos para as companhias enfrentarem potenciais impactos da redução da atividade econômica associada ao covid-19.

O que aconteceu no mercado de crédito desta vez é diferente do que foi visto no segundo semestre de 2019. Apesar de o que estamos vendo agora ser também uma onda de readequação de preços, para refletir melhor o novo cenário, a origem do problema é diferente.

Lá atrás, a queda da taxa de juros Selic fez com que os juros pagos pelos emissores ficassem desalinhados à nova realidade - a remuneração ficou abaixo do que seria considerado justo pelo risco de crédito das empresas, o que levou a uma remarcação geral de preços. Agora, o problema é mais embaixo.

O mundo inteiro – e não apenas o Brasil – vive uma crise de saúde que deu origem a uma crise econômica e, do ponto de vista das empresas, também financeira. As corporações estão com real dificuldade de fluxo de caixa – muitas simplesmente não têm mais receita. É difícil entender qual o real impacto que a coronacrise terá nas companhias e como isso deve afetar sua real capacidade de pagamento.

“Tenho 40 anos de experiência em mercado, nunca vi algo assim. É uma crise complexa e quanto mais rápido o governo, as entidades, associações, Banco Central e BNDES conseguirem conversar e definir ações conjuntas, mais rápido vamos restabelecer a funcionalidade do mercado”, comenta Bruno Amadei, da gestora de crédito privado e imobiliário Integral Investimento.

Para ele, “a funcionalidade” seria uma retomada do mercado secundário de crédito e diminuição do ritmo de resgates. Isso reduziria o estresse e a volatilidade. É exatamente isso que o Banco Central está tendendo resolver: dar liquidez e preço justo aos títulos de crédito.

Nesta segunda-feira, o Banco Central autorizou as instituições financeiras a deduzirem as Letras Financeiras (LFs) de emissão própria recompradas dos depósitos compulsórios a prazo. Há algumas semanas, havia liberado uma linha bilionária para ajudar na recompra de debêntures. Na prática, a autoridade monetária quer permitir que os bancos fiquem com mais capital para emprestar para as empresas e comprar títulos – e não terem que escolher entre um ou outro.

    “A sinalização do BC é forte e ajuda a dar confiança a agentes de mercado para voltarem a atuar na compra. Mesmo gestores que estavam receosos de entrar no mercado secundário podem sentir mais confiança para comprarem mais”, diz Jadoul, da ARX.

Algo já mudou na percepção do mercado secundário quanto à crise. Segundo fontes ouvidos pelo Valor Investe, as instituições financeiras voltaram a comprar títulos no fim da semana de 23 de março e intensificaram o movimento na semana seguinte, aproveitando barganhas – títulos de empresas com bom risco de crédito vendidas com 30% a 40% “de desconto”. Depois, no início de abril os fundos de crédito também se animaram e retomaram as compras.

“Medidas que proporcionem um aumento da liquidez no mercado secundário de títulos de crédito são positivas. O aumento do volume financeiro e do número de transações contribui para uma precificação melhor dos ativos de crédito no mercado secundário”, comenta Mauricio Xavier, da Rio Bravo.

Pegorini, da gestora Valora, vai, porém, um pouco mais fundo na problemática. Ele acredita que as linhas de crédito de bancos e incentivos do Banco Central e do BNDES são importantes, mas não suficientes para sanar o problema do mercado de crédito privado.

“São questões para ajudar, mas não vão resolver o problema porque ele só será resolvido se as empresas não tiverem problema de receita ou, se voltarem à vida normal logo. Há limite de atuação nessas instituições em atuação no mercado, não é possível colocar toda a base de crédito do BC e BNDES para ajudar o setor”, diz.

Ele reforça que as empresas brasileiras entraram saudáveis nessa crise e, por isso, têm chance de sobreviverem. Mas, deixa claro que tudo será uma questão de tempo. “Nada sobrevive se uma crise como essa durar mais de seis meses. O impacto nas empresas é escalonado, as que são mais alavancadas, têm dívidas mais curtas e pouco capital de giro sofrem primeiro. Tudo, porém, vai depender de quanto tempo demorar e como o governo vai ajudar as companhias”, reitera.

Previsões? Com a baixa previsibilidade e alta incerteza, ninguém se arrisca.

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