FECHAR

Imprimir
Publicado em 22/11/2016

Juro alto compensou perda de bancos brasileiros no crédito (Valor Econômico)

As altas taxas de juros ajudaram os bancos brasileiros a compensar parte das perdas com crédito em meio à retração da economia. A avaliação é do professor de finanças Jean Dermine, da escola internacional de negócios Insead.

Especialista em risco bancário, Dermine disse que estava curioso para saber como os bancos brasileiros reagiriam ao "boom" de crédito da última década. Em outros países onde isso ocorreu, as instituições financeiras sofreram fortes perdas nos anos seguintes, o que acabou não ocorrendo no Brasil, pelo menos até o momento. "O sistema financeiro brasileiro passa por um teste, com o crescimento do crédito nos últimos anos seguido de uma recessão. E, por enquanto, tem se saído muito bem", afirmou Dermine ao Valor.

O professor demonstra uma preocupação maior com a nova regulação do sistema financeiro internacional, que impede os governos de socorrerem bancos com problemas. Sobre a eleição de Donald Trump, ele espera impactos apenas indiretos sobre os bancos que operam em mercados emergentes. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: Quais os impactos da eleição de Donald Trump para o sistema financeiro internacional?

Jean Dermine: Os impactos diretos são muito limitados. Na sequência da crise financeira global, as autoridades americanas tomaram uma série de medidas para forçar os bancos estrangeiros a operar nos EUA com subsidiárias bem capitalizadas. Já o impacto indireto, caso Trump se juntar aos céticos de outros países, principalmente europeus, sobre os benefícios do comércio internacional, seria uma redução nessas transações, o que afetaria os mercados emergentes. Esse efeito poderia prejudicar os bancos que operam nesses países.

Valor: Os bancos brasileiros têm conseguido se manter lucrativos apesar da grave crise econômica no país. Esse desempenho surpreende?

Dermine: Estive no Brasil praticamente uma vez por ano entre 2002 e 2010, e nesse período acompanhei o crescimento do sistema bancário. Houve um aumento fantástico do crédito em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Então, fiquei extremamente curioso em ver como os bancos controlariam esse risco. Em vários países onde o crédito cresceu muito rápido, os bancos tiveram grandes perdas alguns anos depois. Foi assim com o 'subprime' nos EUA. Também ocorreu recentemente na Suécia, Irlanda e Espanha. O sistema financeiro brasileiro passa por um teste e, por enquanto, tem se saído muito bem, o que é uma ótima notícia.

Valor: Há alguma razão para esse comportamento?

Dermine: Do ponto de vista de quem acompanha o assunto de fora, meu palpite é que os bancos tiveram ajuda das taxas de juros altas da economia brasileira. As margens mais altas ajudaram a compensar algumas perdas. As receitas com tarifa também ajudaram os bancos a dependerem menos do crédito. Mas precisamos esperar um ou dois anos para medir a severidade das perdas.

Valor: Bancos estrangeiros, como HSBC e Citi, reduziram os negócios no país, o que elevou a concentração. Essa tendência preocupa?

Dermine: Em vários países, os maiores bancos locais compraram concorrentes menores, o que elevou a concentração no setor. Isso criou uma questão para os reguladores: com mais competição, você tem menores taxas de juros e menos tarifas, o que é bom para o consumidor. Por outro lado, os governos querem um sistema financeiro mais estável.

Valor: É possível equilibrar competição e estabilidade?

Dermine: Posso imaginar que em um país como o Brasil a estabilidade do sistema financeiro é extremamente importante, então acredito que deve haver uma ênfase maior nesse ponto, o que leva a haver instituições maiores. Mas hoje algo está mudando com a competição dos bancos digitais. Mesmo em países com poucos bancos, uma maneira de manter alguma competição é permitir a operação de bancos digitais menores em sistemas de pagamento e cartão de crédito.

Valor: As chamadas "fintechs" são uma ameaça ou uma oportunidade para os bancos tradicionais?

Dermine: O negócio bancário envolve movimentar informações, seja de pagamentos ou de transações financeiras. Então não é surpreendente que a tecnologia digital, que permite a movimentação dessa informação de maneira simples, tenha um grande impacto sobre a indústria. Trata-se claramente de uma ameaça para os grandes bancos, que possuem uma grande rede de agências físicas, e uma oportunidade para novas companhias. A questão interessante é como os grandes bancos vão responder a essa ameaça. Não podemos nos esquecer de que a Kodak desapareceu ao não se ajustar ao mercado de fotografias digitais. Mas esta não é uma previsão para o que vai acontecer com os bancos...

Valor: A resposta dos bancos ao avanço tecnológica é adequada?

Dermine: Esse fenômeno dos bancos digitais é algo que já vi antes. Muitos anos atrás surgiram os "bancos por telefone". Na época, havia o receio de que os bancos desapareceriam e as empresas de telefonia tomariam conta do setor, o que não aconteceu. Em 2000, com o internet banking, houve o receio de que a Microsoft entrasse no mercado e os bancos desaparecessem. Agora, com a tecnologia dos smartphones, não vejo por que os bancos não seriam capazes de se adaptar. Não será fácil, mas eles já passaram por isso no passado.

Valor: Falando em ameaça, qual a influência das taxas de juros negativas para o sistema financeiro?

Dermine: Até agora, praticamente não observamos impactos na economia ou nos investimentos. O único efeito ocorreu no câmbio, com a depreciação do euro. É ruim porque as empresas se acostumaram às taxas extremamente baixas, o que distorce as decisões de investimento. O juro baixo cria problemas para fundos de pensão e seguradoras. Temos uma população envelhecendo, que eleva a demanda por benefícios, em um ambiente de juro baixo, no qual os retornos são menores.

Valor: Como os bancos podem lidar com juros negativos?

Dermine: Na Europa, o juro baixo claramente reduziu a lucratividade dos bancos. Mesmo que pague zero nos depósitos, o banco aplica os recursos a taxas negativas. Mas muitas instituições têm sido capazes de responder a esse problema via tarifas de serviços, gestão de fundos e seguros. Um exemplo é a Suécia, onde os juros são negativos e os bancos são bastante lucrativos.

Valor: Como o senhor avalia a crise do Deutsche Bank?

Dermine: Essa é uma questão que afeta os bancos europeus e americanos, mas talvez não seja um problema no Brasil. Depois da crise, quando os governos colocaram muito dinheiro público no sistema, eles decidiram que isso não se repetiria nunca mais. Isso virou lei em janeiro deste ano na Europa, é muito recente. Com o Deutsche Bank, criou-se um grande pânico no mercado porque, pela primeira vez, as pessoas se perguntaram se seus depósitos estavam seguros. É um ambiente completamente novo.

Valor: Mas a nova regulação pode evitar essas crises?

Dermine: Pessoalmente, acredito que foi muito bom ter uma legislação que impeça governos de ajudarem bancos. Se houver perdas, devem ser absorvidas pelo setor privado. Mas as consequências não foram avaliadas apropriadamente. É o que estamos vendo com Deutsche Bank.

Valor: A regulação bancária hoje é melhor do que antes da crise?

Dermine: A resposta é não. Com uma regulação tão pesada, muitos negócios passaram a ser feitos fora dos bancos, o que nós chamamos de "shadow banking". A regulação deixou o sistema bancário mais seguro, mas os problemas apenas foram empurrados para outro lugar. Falta discutir o que está acontecendo com o Deutsche Bank. Qual a reação apropriada no caso de um momento de pânico para evitar que o problema se alastre? Vimos no caso do Deutsche, em que se instaurou pânico muito rapidamente. Os reguladores precisam pensar em como reagir. Se puder fazer uma comparação, o mesmo debate se aplicou no caso dos fundos de "money market". Nos EUA, houve uma crise que gerou pânico e levou os investidores a deixarem esses fundos. Foi então que os reguladores decidiram que, quando houvesse casos de grande saída de recursos, o fundo poderia suspender os resgates. Para o sistema bancário, em caso de pânico, as autoridades também poderiam ter o poder de "fechar a porta".

Video institucional

Cursos EAD

Fotos dos Eventos

Sobre o Sinfac-SP

O SINFAC-SP está localizado na
Rua Libero Badaró, 425 conj. 183, Centro, São Paulo, SP.
Atendemos de segunda a sexta-feira, das 9 às 18 horas.