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Publicado em 17/09/2019

Mulheres no comando de suas finanças (Valor Econômico)

“Quando o ‘kit Brasil’ funciona, ou seja, o país vive um cenário de juros em queda, bolsa subindo e dólar estável, os fundos multimercados batem o CDI. Fora desse cenário, são poucos os gestores de fundos macro que conseguem bater o benchmark.”

Essa poderia facilmente ser uma cena de um curso de economia ou MBA em finanças em uma faculdade ou ainda um treinamento sobre investimentos para funcionários de um banco. Mas, na verdade, foi uma aula de quase duas horas que aconteceu em uma tarde de terça-feira no salão de festas de um luxuoso prédio nos Jardins, bairro nobre de São Paulo.

Munidas de caneta e caderno, 16 mulheres na faixa de 50 a 65 anos e com cifras consideráveis na conta bancária anotavam os principais tópicos da aula, faziam perguntas ao professor e comentavam episódios pessoais relacionados ao assunto com as colegas próximas. O objetivo: entender como gerir a própria fortuna.

“Nos últimos anos o Brasil mudou a direção, foi de um cenário de juro alto para um juro baixo. Hoje eu me sinto mais preparada e apta a lidar com essas variáveis novas que estão quebrando a cabeça de muita gente”, comenta a psicóloga Regina Giacomelli Politi, idealizadora do GIMI, o Grupo Independente de Mulheres Investidoras.

No senso comum, mulheres ricas são rapidamente associadas à imagem de dondocas que não trabalham e passam o dia no salão de beleza ou em eventos de caridade com seus tailleurs bem cortados. E que dinheiro é um assunto que fica a cargo do marido ou do pai. Esse definitivamente não é o perfil das quase 20 amigas que se reúnem há mais de dois anos para estudar finanças pessoais.

Grupo criado há mais de dois anos para estudar finanças pessoais reúne 16 mulheres na faixa dos 50 a 65 anos

“Ninguém no grupo delega para o marido suas decisões financeiras. Essa é a primeira exigência para participar”, explica Regina. Essa regra vale mesmo para quem tem consultor, planejador financeiro ou family office: a participante precisa ser quem bate o martelo sobre o que fazer com seu próprio dinheiro.

Regina argumenta que isso é importante para, na hora que o gerente do banco, consultor ou algum conhecido sugerir um investimento, as mulheres terem noção sobre suas finanças e não serem facilmente enganadas. Esse, inclusive, foi o principal motivo pelo qual Regina e suas amigas começaram a se reunir, em 2017, para estudar sobre o mundo dos investimentos: não serem ludibriadas para aplicar sua fortuna em maus negócios.

“Até 2014, meu ex-marido era quem cuidava de todo o meu dinheiro. Eu não tinha noção nem de quanto ganhava, nem de quanto custava manter o meu consultório de psicologia. Quando me divorciei e as contas começaram a chegar, percebi que precisava tomar as rédeas da minha vida financeira”, conta Regina.

Sem ter com quem contar para esclarecer dúvidas e fazer perguntas básicas sobre finanças, Regina começou a procurar amigas que pudessem ajudá-la. Foi, então, que percebeu que várias delas estavam na mesma situação: tinham uma boa quantia de dinheiro, vinda de negócios próprios, herança ou divórcio, mas não sabiam se estavam nos melhores investimentos. Sugeriu, então, a criação do grupo.

De 2017 para cá, as participantes do GIMI já participaram de palestras e bate-papos com nomes renomados da gestão de recursos, como Luis Stuhlberger, gestor do conhecido fundo Verde, Sylvio Castro, diretor de investimentos do Credit Suisse, Márcio Lewensztajn, Natalia Destro e Paulo Miguel, os três da consultoria de planejamento financeiro GPS, pertencente ao grupo internacional Julius Baer, além de economistas e gerentes de private banking de bancos tradicionais.

Essas conversas foram importantes para introduzir o assunto, mas elas perceberam que precisavam se aprofundar em temas específicos, como matemática financeira e finanças comportamentais. Contrataram, então, professores particulares - a aula descrita no começo da reportagem, inclusive, faz parte deste último curso, ministrado pelo consultor e professor de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), William Eid.

“Eu achei ótimo quando a Regina veio com essa ideia porque nós temos mesmo que conhecer sobre finanças, conhecer sobre o que estão te falando para saber separar o joio do trigo. Mesmo assim a gente erra muito”, conta Marilene Nigro, empresária, que hoje atua no ramo imobiliário de alto padrão.

Na agenda, palestras e bate-papos com nomes renomados da gestão como Luis Stuhlberger, do fundo Verde

Nos dias que não há aulas, elas alimentam o grupo de WhatsApp com notícias de jornais e sites, estudos e slides de outros cursos e palestras de que participam. Também trocam informações sobre produtos que seus consultores da área private dos bancos, gestoras independentes ou plataformas de investimentos recomendam.

Ter um espaço de confiança para troca de experiência foi o segundo motivo para a criação do GIMI. A vantagem é que, no grupo, há clientes do private dos principais bancos. A troca de informações sobre serviços e produtos é vista como tão importante quanto as aulas. “É um grupo de apoio e isento, em que todas estamos lá para aprender a administrar melhor o nosso dinheiro. O mercado financeiro muda muito rápido e sempre surgem novos termos, produtos e gestores. Por isso o grupo é um lugar de atualização permanente”, conta Simone Schapira Wajman, empresária e uma das fundadoras do GIMI.

Uma característica de quem participa do GIMI é justamente a humildade em reconhecer que não sabe. A outra é ter força e vontade para aprender do zero algo e não ter medo de perguntar.

Mesmo já administrando a fortuna da família há anos, Simone sabia que ainda tinha muito o que aprender. Com a morte prematura do pai em 1997 por causa de um câncer, ela, que administrava até então uma farmácia de manipulação própria, precisou às pressas assumir a gestão da operadora de plano de saúde Medial, da qual seu pai era sócio.

Na época a empresa estava à beira da falência e Simone precisou se armar de conhecimento para não perder o negócio. Ela e os sócios conseguiram recuperar e profissionalizar a empresa e em 2006, no IPO (oferta pública inicial de ações), sua família deixou a sociedade. Foi aí que Simone assumiu outro grande desafio: a gestão do patrimônio vindo da venda da participação.

“Criei quatro fundos exclusivos, um para cada família da Medial Saúde e, na minha família, também criei fundos exclusivos para cada um dos herdeiros. Eu tinha sucessor, meu irmão também, e eu entendi que era a melhor decisão naquele momento, apesar dos custos e do meu gerente não recomendar”, conta. Mas ela não parou por aí e foi estudar.

Como membro do YPO (Young Presidents’ Organization, uma rede de jovens executivos), ela teve oportunidade de fazer cursos fora, em Harvard e na London Business School, e na FGV. Nos últimos anos, também se dedicou às aulas de educação financeira no GIMI.

“A minha maior vantagem é que eu sei falar que não sei. Quando eu assumo para mim que não sei, vou aprender e as pessoas se abrem para me ensinar. Essa foi a grande vantagem desde que entrei na Medial. Eu também não sabia nada sobre como gerenciar uma operadora de saúde, mas fui estudar. Em finanças é a mesma coisa, eu também corro atrás”, diz a empresária.

Ao observar uma aula do GIMI é fácil constatar duas coisas. A primeira é que, independentemente da conta bancária, as dúvidas sobre finanças são as mesmas. O mercado financeiro brasileiro não é para amadores e a dificuldade em escolher na enorme e confusa prateleira de produtos financeiros é compartilhada por todos.

Para se aprofundar nos assuntos e discutir a altura com os consultores, Regina, por exemplo, já prestou dois exames indicados para quem quer trabalhar no mercado financeiro, o CPA-10 e CPA-20, e quer prestar para ter o CFP, que habilita para ser planejadora financeira. Foi também quem sugeriu as aulas de finanças comportamentais, depois de fazer um curso sobre o assunto na FGV este ano.

“Eu sei que tenho dificuldade com o assunto finanças e, quanto mais eu estudava, ficava mais confusa sobre qual produto seria melhor para investir. Ao invés de tomar decisão, eu me vi paralisada. Só colocava dinheiro em fundo DI para ter colchão de liquidez, mesmo sabendo que estava errado. Fui buscar, então, informações sobre como tomar decisões e a psicologia econômica ajuda muito com isso”, conta.

A segunda observação é que, ao contrário do que muita gente acredita, ter muito dinheiro não é sinônimo de bons conselhos financeiros. Pelo contrário. Não faltam no grupo relatos de “interesses” distorcidos que levaram a alocações ruins. Aliás, desconfiar sempre é outra regra do grupo.

A mais intrigante das histórias é de uma senhora, conhecida de uma das fundadoras do grupo, que pagava uma taxa altíssima para um gestor de fortuna ajudá-la a aplicar o dinheiro que, no fim das contas, estava todo na poupança. Acompanhar de perto os investimentos é outro mantra do grupo de investidoras.

Uma pesquisa citada durante o Women in the World Summit, um evento global para falar sobre temas relacionados à igualdade de gêneros, escancara uma realidade que poucas mulheres param para pensar: elas tendem a ficar sozinhas e serão obrigadas a cuidar da própria vida financeira.

Os números, citados por Paula Polito, diretora de Estratégia de Clientes Globais do banco UBS, mostram que oito em cada dez mulheres acabarão sozinhas e precisarão de recursos financeiros para viver. Os motivos são a longevidade, que é maior para mulheres do que para homens, e a crescente taxa de divórcio, especialmente na faixa dos 50 anos.

“No meio em que vivemos existem muitas mulheres inteligentes, cultas, capazes, mas que optaram por serem donas de casa, dondocas e não se preocupam em saber nada sobre finanças. Cheque é a secretária quem faz. Na minha experiência pessoal, esse é um grande erro”, diz Marilene Nigro, fundadora do grupo de estudos ao lado da Regina e da Simone.

Aos 52 anos, seu marido descobriu uma doença grave e, em menos de 10 meses, morreu. “Quando jovens, nós decidimos que queríamos ganhar dinheiro e, enquanto outros casais discutiam sobre filmes e livros, nós falávamos de negócios. Eu sempre acompanhei tudo que ele fazia nas fábricas, mas nunca tinha tomado decisões sozinha. Quando ele morreu, me senti muito perdida”, conta.

Marilene deu conta do recado e hoje cuida sozinha de sua fortuna. Mesmo estando em um segundo casamento, as contas do casal são completamente separadas. “Eu estava tão segura do controle das minhas finanças que nós decidimos que cada um segue seu caminho. Nós deixamos para pensar juntos em nosso lazer, nas viagens”, diz.

Apesar de terem histórias de vida (e riqueza) bem diferentes, Marilene, Regina, Simone e as outras mulheres do GIMI tem um objetivo comum: serem donas das próprias decisões financeiras. Um desejo delas é que o grupo seja inspiração para outras tantas mulheres endinheiradas conquistarem sua independência financeira.

“As mulheres, independentemente de serem casadas, têm que entender que ninguém é imortal. É claro que não estou querendo dizer que você vai ficar viúva, mas você tem que estar preparada para assumir o controle da sua vida e da sua família”, finaliza Marilene. Regina e Simone não poderiam concordar mais.

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