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Publicado em 17/10/2019

O executivo que mudou o rumo do Bradesco (Valor Econômico)

Cuidar dos procedimentos, dos controles, dos custos sempre foi o princípio e o norte da carreira de um dos maiores banqueiros do país, Lázaro de Mello Brandão, que morreu ontem, aos 93 anos, em decorrência de complicações de uma cirurgia de diverticulite realizada um mês atrás. Sua trajetória começou em 1942, aos 16 anos, como escriturário na Casa Bancária Almeida & Companhia, em Marília, instituição que, no ano seguinte, se transformou no Banco Brasileiro de Descontos, atual Bradesco. O executivo se afastou formalmente do banco 75 anos depois, em 2017, quando deixou a presidência do conselho de administração.

A ideia original era ficar pouco tempo lá, até prestar concurso para o Banco do Brasil. Só que Brandão nunca mais saiu da instituição. De Marília, foi para Lins, e logo mudou para São Paulo, a nova sede do banco. E daí para a Cidade de Deus, o centro administrativo criado pelo mítico Amador Aguiar em 1953, no município de Osasco.

Filho do administrador de fazendas José Porfírio Bueno Brandão e de dona Anna Helena Mello, Lázaro Brandão nasceu na cidade de Itápolis, interior de São Paulo, em 1926. “Com 12, 14 anos”, já pensava em trabalhar em um banco, a fim de ter “uma vida muita mais controlada, confortável”, com “estabilidade, respeito da comunidade”, contou ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getulio Vargas (CPDOC/FGV - “Lázaro de Mello Brandão - Senda de um Executivo Financeiro”, título escolhido por ele mesmo).

Brandão “se enfronhou” tanto no serviço que apenas dois anos depois de iniciar a carreira foi promovido de escriturário a subchefe e logo a chefe da seção que ele próprio criara: a lendária Inspetoria Geral do Bradesco. Nela, pontificou pelos 20 anos seguintes, até galgar a diretoria-executiva, em 1963, e colocar-se como “sombra” de Amador Aguiar - o homem que fez da modesta casa bancária o maior banco privado brasileiro.

Sua atuação como inspetor geral antecipou em três décadas a preocupação mundial com a regulação bancária prudencial, a supervisão e as melhores práticas do mercado financeiro. Esse foi o escopo do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia instituído em 1975, como reação à turbulência provocada nas finanças internacionais pela quebra da instituição financeira Herstatt, e que resultou na criação de organismos de controles internos e compliance, que hoje são obrigatórios nos bancos de todo o mundo.

Brandão tinha poucos amigos. Mal saía de casa, não tinha muita vida social. Seu fim de semana resumia-se a uma visita ao sítio em Itatiba, 80 km a noroeste de São Paulo, voltando a tempo de almoçar em casa. Eventos, festejos, solenidades, só se tinham sentido profissional, referentes ao banco ou ao sistema bancário, como as reuniões do Sindicato dos Bancos ou da Associação de Bancos do Estado de São Paulo (Assobesp), de onde nasceria a Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Foi nessas entidades que Roberto Konder Bornhausen conheceu Brandão, na década de 1960, quando era o principal representante do Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina, conhecido como Banco Inco. Foi com Brandão que Bornhausen tratou os termos da aquisição do Inco pelo Bradesco, em 1968. “Redigimos o contrato nós dois, sozinhos, sem advogados”, sublinhou Bornhausen. No Bradesco, com seu conhecimento profundo da atividade, por sua origem como bancário de um banco comercial, segundo Bornhausen, Brandão foi ganhando espaços aos poucos, até assumir plenamente as funções de Amador Aguiar.

“Na minha época, o pessoal dizia assim: Olha, quem precisa aprovar isso aqui são três pessoas, o Lázaro, o Mello e o Brandão! Tudo, tudo passava por ele. Ele examinava tudo”, relembra Alcides Lopes Tápias, que deixou a vice-presidência do Bradesco em 1996, depois de trabalhar 49 anos no banco, 15 deles compartilhando com Brandão o famoso mesão da diretoria-executiva na Cidade de Deus. “Ele sempre foi uma pessoa muito observadora, muito atenta às coisas e sempre teve a confiança absoluta do sr. Amador Aguiar, tanto é que, quando o ‘seu’ Amador ficou adoentado, ele passou a presidência para o ‘seu’ Brandão.”

Aliás, a mudança do nome Banco Brasileiro de Descontos para Bradesco só foi possível com a colaboração de “seu” Brandão. “Discutíamos na diretoria-executiva que os clientes não chamavam o banco pelo nome completo, mas preferiam a denominação do endereço telegráfico Bra-Des-Co. Mas quem tinha coragem de dizer isso a ‘seu’ Amador, que dizia que nome de banco não se muda?”

Os diretores levaram a proposta a Brandão. Ele orientou que discutissem à exaustão, até não sobrar dúvida de que a mudança era para melhor. No dia que foram tratar com Aguiar, “seu” Brandão disse que os diretores estavam trazendo uma proposta para ele analisar e deu a palavra a Tápias. “Alguém tinha que por o guizo no gato. Eu me prontifiquei. ‘Seu’ Amador ouviu, ouviu e, finalmente, acatou: ‘Olha, acho que é uma boa ideia que vocês tiveram!’”

Juntamente com a atenção aos interlocutores e à discrição, era unânime a impressão da enorme capacidade de trabalho e da dedicação monástica ao Bradesco.

“Brandão sempre foi muito espartano, chegando todo dia no banco às 7h da manhã, mesmo quando já estava na presidência, fosse da diretoria, fosse do conselho. Quando queria falar com ele, chegava antes das 8h, porque era um horário mais tranquilo”, descreve Gabriel Jorge Ferreira, o vice-presidente jurídico do Unibanco que forjou a fusão com o Itaú.

“Brandão era um ser humano especial, a quem você poderia chamar de tudo menos de banqueiro. Simples, humano, até humilde. Fez uma carreira sem grandes impulsos, sem grandes arroubos. Era uma pessoa extremamente discreta, extremamente reservada. Nos congressos dos bancos, nos anos 60 e 70, suas intervenções eram feitas de forma extremamente singela, conciliatória, ouvia tudo muito atentamente antes de emitir uma opinião”, afirmou.

Brandão sucedeu Aguiar primeiro, em 1981, como presidente-executivo e depois como presidente do conselho de administração, em 1990, acumulando os dois cargos ao longo da década. Em 1999, entregou a presidência-executiva a Marcio Cypriano, diretor da rede de agências do Bradesco que então presidia o Banco de Crédito Nacional (BCN), adquirido em 1997. Em 2017, passou a presidência do conselho de administração para Luiz Carlos Trabuco Cappi.

A aquisição do BCN pelo Bradesco ficou marcada na memória do deputado Ricardo Berzoini (PT), que confrontou “seu” Brandão do outro lado da mesa de negociações como presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. “O sindicato queria que o Bradesco se comprometesse a manter o quadro, evitar demissões. Ele deu sua palavra de que não haveria demissões e, de fato, cumpriu praticamente 100%; não houve demissões em massa, só o movimento de simplesmente cortar redundâncias”, diz.

De olho na concorrência, Brandão imprimiu um novo rumo ao banco na virada do milênio. Primeiro banco de massas do Brasil, dizia-se que o Bradesco atendia a Sadia, a padaria e a dona Maria, sem distinção. Tanto que foi um dos últimos, senão o último grande banco, a ter uma área dedicada a atender grandes grupos empresariais, o chamado segmento “corporate”. Brandão encarregou Cypriano, que trouxera a cultura e vários executivos-chave do BCN para o Bradesco, de estruturar a segmentação dos negócios e da clientela, prática já corriqueira entre os bancos brasileiros.

Lázaro de Mello Brandão era o último remanescente da geração de banqueiros que viveu a transformação de um sistema bancário elitista, atomizado, fracamente capitalizado, de raio no máximo regional, para um sistema massificado, altamente concentrado, de expressão nacional e com musculatura para ensaiar sua internacionalização.

“Ele não era só uma testemunha da evolução - mas um ator da evolução que os bancos brasileiros experimentaram nos anos 1960”, sentencia Bornhausen. Nessa época, as instituições bancárias totalizavam 350. Em 1980, haviam caído para 111, resultado da deglutição das instituições menores e de caráter nitidamente regional pelas grandes instituições, concentradas em São Paulo, com o Bradesco e o Itaú à frente. As incorporações, aquisições e fusões que transformaram esses dois bancos em conglomerados começaram já na década de 1940, logo após sua fundação.

Entretanto, o grande banquete dos tiranossauros Bradesco, Itaú e, em menor medida, Unibanco ocorreu efetivamente na segunda metade dos anos 1990, quando o Plano Real debelou a hiperinflação e desmamou um rosário de instituições que dependiam da desvalorização da moeda para sobreviver, incluindo os bancos estaduais. Daí até quase o fim da década seguinte, o Bradesco digeriu nada menos do que 25 negócios, entre bancos, corretoras e carteiras de outras instituições, mantendo invicta sua liderança de quase 60 anos entre os bancos privados. Em 2008, porém, perdeu o título. O Itaú, que até então havia se contentado com nove aquisições, fundiu-se com o Unibanco, que havia comprado apenas quatro (incluindo o Banco Nacional, que, em 1995, era o quinto no ranking dos privados).

Pareceu uma vingança do destino. Amador Aguiar havia proposto a fusão ao embaixador Walter Moreira Salles, fundador do Unibanco, lá atrás, em 1972, quando eram o primeiro e o quarto maiores bancos privados do país. Se concretizada, a nova instituição ficaria atrás apenas do Banco do Brasil. Aguiar e Salles chegaram a assinar um compromisso. Mas o “choque das duas culturas”, a “caipira” do banco de Osasco e a “cosmopolita” do banco do embaixador, se estranharam. A fusão morreu de inanição. Décadas depois, os dois bancos voltaram a se aproximar, mas nunca chegaram a se entender, porque o Bradesco, com Brandão à frente, fazia questão de ter o comando da instituição resultante.

“O Itaú gosta de fusão”, enquanto o Bradesco sempre comprou e ficou com o controle, justificou Brandão, que viu o Bradesco se tornar o principal banco brasileiro e perder a primazia, quando o arquirrival Itaú fez o que Aguiar e Moreira Salles haviam combinado: deixar o Unibanco com a presidência do conselho de administração e a diretoria-executiva com o Itaú. Entregou os dedos para ganhar também os anéis.

Diz-se que o ambiente pesou no Bradesco quando a fusão Itaú-Unibanco, tratada como segredo de estado, foi noticiada. Ao CPDOC, Brandão minimizou o episódio. Argumentou que o Bradesco continuou à frente como conglomerado com atuação na área de seguros e bem à frente no número de agências. Fraco consolo numa época em que, como o próprio Brandão reconheceu, “o mundo dos bancos é cada vez mais digital”.

Em 2017, com a saída da presidência do conselho, Brandão superou a preocupação de “entrar num vazio” com a aposentadoria. “Se recriou na minha cabeça a ideia de que se desligar e ter rotatividade para o conselho é importante”, disse ele na ocasião. Entretanto, continuou próximo ao ambiente do Bradesco. Manteve sua sala, e foi se afastando do dia a dia do banco aos poucos, o que abriu espaço para mudanças no negócio.

“Foi uma personalidade marcante, que influenciou a todos que com ele conviveram”, disse Trabuco, ontem em nota. “Será sempre lembrado pelo talento, honradez e capacidade empreendedora. Perde o sistema financeiro um dos mais ilustres e tradicionais representantes, que sempre soube guiar-nos pelos elevados ideais de honestidade, coerência profissional e dedicação. As lições que deixou certamente continuarão a influenciar positivamente as atuais e futuras gerações.”

O Bradesco tem se movimentado para responder à crescente concorrência no sistema financeiro. A segunda maior instituição financeira do país em ativos, atrás do Itaú, tem traçado como objetivos melhorar o legado de seus antecessores, tornando mais eficiente o banco físico e, ao mesmo tempo, olhar para o futuro, com as novas tecnologias. Nesse sentido, o banco digital Next é o caso mais emblemático.

Aos funcionários, a transformação se dá por uma maior autonomia para que tenham capacidade de negociar com os clientes na ponta e por um inédito programa de remuneração variável para reter profissionais assediados pelos competidores. A estrutura do banco também foi arrumada, agora com três vertentes de negócio: além de varejo e atacado, há ainda uma área específica para a alta renda.

À frente das mudanças, ao lado de Trabuco, está Lazari, que começou no banco aos 14 anos como office boy de uma agência na Lapa, em São Paulo, e chegou à presidência - uma ascensão similar à de Brandão no Bradesco, que continua seguindo suas tradições. Economista de formação, Brandão deixou esposa, duas filhas e um neto.

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