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Publicado em 07/11/2017

Polarização dará o tom (O Globo)

Gaudêncio Torquato (*)

Mesmo distante das eleições de 2018, sem saber que nomes entrarão na corrida, é possível fazer uma previsão sobre o discurso eleitoral tendo como ponto de partida a questão: teremos uma polarização entre forças políticas e, nesse caso, um discurso mais vertical, ou a tendência será a de horizontalização e consequente dispersão de mensagens? A resposta aponta para a polarização, sob a visão de que os escândalos em série a que vem sendo submetida a esfera política e, ainda, com a disposição do Partido dos Trabalhadores de não arredar pé do apartheid social que instalou, com sua chegada ao poder, em 2003, haverá curto espaço para compatibilização e integração de propostas.

Analisemos os fatores que entrarão na composição do discurso eleitoral. Em primeiro lugar, sobressai a intensa indignação que o petismo-lulismo tem despertado em formidáveis agrupamentos sociais, a partir do Sudeste do país, notadamente São Paulo, que possui o maior colégio eleitoral, com cerca de 35 milhões de eleitores. Luiz Inácio, o PT e alguns de seus quadros não são bem vistos no território paulista e perderam espaço – inclusive em seu berço, o ABC – na campanha de 2014. A maior tuba de ressonância do país é formada pelas classes médias, que acompanham de maneira mais acurada a situação política. As classes médias de São Paulo formam o grupamento de vanguarda contra o lulismo. Sua capacidade de irradiar influência é enorme, a confirmar a hipótese de que sua manifestação contra o PT tende a criar círculos concêntricos a correrem pelos estratos sociais.

Em segundo lugar, a expressão de Lula nessa fase inicial de pré-campanha (sim, a campanha foi aberta) é um convite à polarização. Continua ele a denunciar o “golpe” contra sua pupila, Dilma, promete fazer um referendo sobre todos os atos do presidente Michel Temer, a partir da reforma trabalhista, prometendo, se eleito, seguir agenda idêntica ao que realizou em seus dois mandatos. Ou seja, Lula, sob aplausos do PT, diz que governará com a bola do jogo antigo, hoje furada. O buraco que ele e Dilma deixaram ao país, pelo que se infere de suas declarações, não será tapado. Será aumentado. Sob o surrado refrão: “nós e eles”, mocinhos e bandidos.

Portanto, os primeiros cultores da polarização são Lula e seu entorno. Com esse discurso, Luiz Inácio pretende arrefecer as críticas sobre o desastre perpetrado pelo petismo em seus 13 anos de poder contínuo. Vingará esse discurso? Em algumas regiões, arrebanhará exércitos, como na região Nordeste onde o ex-presidente continua a ser considerado o “Pai dos Pobres”, o “Salvador da Pátria”. Para as massas, Lula é um símbolo, um emblema, alguém acima da política e de seus representantes. Se alguém se dispuser a contrapor usando o argumento de que o mensalão foi uma invenção da era Lula, vai ouvir a resposta: “todos os políticos roubam. E por que ele não pode roubar”? Lula no palanque é a garantia de que a polarização ganhará densidade.

E eventuais acordos que o PT costurar com outros partidos, inclusive com o PMDB de Renan Calheiros em Alagoas? Lula passará por cima disso com tranquilidade. A previsão é a de que fará loas a Renan, tirando-o do bolsão peemedebista que deu “ o golpe” na presidente Dilma. O mesmo fará em relação a parceiros de outros Estados. Lula é pragmático. Sabe que sua palavra é sagrada e não será desacreditada pelas massas. Com exceção, claro, de contingentes mais próximos aos grandes centros urbanos, onde há maior acesso à política e consciência sobre os comportamentos dos atores políticos. O palanque será seu escudo contra a Lava Jato.

A competição expressiva terá na outra banda os núcleos da direita, que procurarão enaltecer virtudes e mensagens de seu timoneiro, o deputado Jair Bolsonaro. Que será o contraponto a Lula. Bolsonaro poderá arrebanhar apoios de fortes grupos de classe média, principalmente de áreas mais conservadoras, como proprietários rurais e agrupamentos de setores do comércio. Encontrará dificuldades, porém, no campo das grandes propostas, eis que é limitado e tem estreito conhecimento sobre o país. As classes médias urbanas e fortes setores de categorias profissionais só se alinhariam ao lado de Bolsonaro caso fossem ele e Lula os protagonistas de um segundo turno. Mas a hipótese é remota. Não teria ele tempo de mídia eleitoral suficiente para fazer chegar às margens um discurso centrado basicamente nos vetores da lei a da ordem.

E por que Lula e o PT insistirão na polarização quando sabem que a população está saturada de ouvir o mesmo samba há muito tempo? Porque são pragmáticos. Sabendo que o PT terá dificuldades em refazer seu edifício político, arruinado em parte pelo bombardeio da Lava Jato, Lula quer eleger grande bancada, esperando, para tanto, que a velha militância volte a perfilar em torno de seus afilhados. Ou seja, apenas com os velhos eleitores daria para o PT resgatar a antiga força. E essa militância tende a se inclinar por um discurso radical, azedo, forte. Não é esse o discurso, por exemplo, do PSOL, cujos votos saem de bolsões mais fechados da esquerda? O Rio de Janeiro, nesse particular, é o território psolista por excelência.

Pode haver quebra da polarização? Sem dúvida. É o que esperam os exércitos que se formam no meio do arco ideológico. Essas áreas são povoadas pelas classes médias e vastos núcleos de profissionais liberais – engenheiros, médicos, advogados, economistas, jovens executivos de empresas, lideranças institucionais etc. Que aguardam a entrada no páreo de um perfil de centro, com mensagens densas e concretas sobre os problemas vividos pela Nação. Poderá essa figura vir a ser o tertius, chamando a atenção pelo equilíbrio e harmonia de gestos. Mesmo assim, não conseguirá atrair todos. Afinal de contas, há muito ator querendo tirar proveito da expressão retumbante que toma espaços nas mídias sociais. A radicalização faz parte do jogo de certas equipes. E razoável parcela de engajados e militantes não abandonou o sonho de voltar a construir castelos ideológicos, em cujas paredes exibirão o estiloso bigode de Stalin.

(*) Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação.

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