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Publicado em 11/01/2018

Um banqueiro suíço ajudou americanos a sonegar impostos. Foi crime? (Estadão)

Diane Butrus, executiva de negócios de St. Louis, perambulou pelas ruas de Zurique em busca de um banco que a ajudasse a manter $1.5 milhões escondidos dos coletores de impostos dos EUA.

Foi rejeitada por um banco depois de outro naquela tarde em 2009. Estavam preocupados com uma tentativa de evasão de impostos dos EUA e não mais dispostos a proteger o dinheiro americano. Finalmente, do outro lado da rua de um dos parques da cidade, depois de subir por um discreto elevador, Butrus encontrou um banqueiro pronto para ajudar, sentado em uma luxuosa sala de conferências. Seu nome era Stefan Buck.

Buck disse que seu empregador, o Banco Frey, ficaria feliz em receber o dinheiro de Butrus, de acordo com documentos judiciais e entrevistas com Buck e Butrus. Ele a instruiu a transferir os US$ 1,5 milhões para o Banco Frey. Disse a ela que seu nome não seria anexado à nova conta. Seria conhecida internamente como Cardeal, um pseudônimo que ela escolheu em alusão à sua equipe favorita de beisebol.

Depois disso, Butrus entrou em contato com Buck através de celulares pré-pagos que ela comprou em uma farmácia Walgreens. A cada seis meses ou mais, voava para Zurique a fim de retirar o dinheiro diretamente com Buck. Retornava aos Estados Unidos carregando secretamente pouco menos de US$ 10 mil em dinheiro – o teto para ter que fazer uma declaração aduaneira.

O arranjo permitiu a Butrus evitar o pagamento de dezenas de milhares de dólares em impostos sobre a renda. E isso não teria sido possível sem Buck e o Banco Frey. Tanto quanto o chocolate e os relógios, a Suíça é conhecida pelo segredo bancário. Isso fez do país o destino de dinheiro que os ricos queriam esconder. Na última década, também fez dos bancos suíços o alvo para um ataque pelo governo dos Estados Unidos, cansado de que os americanos escapassem de impostos sobre o dinheiro em contas offshore.

Muitos bancos jogaram limpo, divulgando o nome de seus clientes para as autoridades dos EUA. Muitos americanos, incluindo Butrus, procuraram novos lugares para estacionar o seu dinheiro. O Banco Frey estava entre os poucos a enfrentar a ofensiva legal. E Buck, bem-apessoado e autoconfiante, de 28 anos quando conheceu Butrus, era o rosto público do banco, responsável pelo desembarque e depois pela gestão das contas dos EUA.

Isso colocou Buck na mira do governo. Em 2013, um grande júri federal o indiciou por conspirar para ajudar os americanos a evitar impostos. Parecia um outro golpe contra o segredo bancário suíço. Mas as coisas não aconteceram como os promotores planejaram – e a cadeia de eventos poderia ter grandes consequências para a luta dos Estados Unidos para evitar que as pessoas sonegassem impostos recorrendo a contas bancárias offshore.

Buck cresceu na Alemanha. Seus pais tinham sido campeões de dança no gelo; sua mãe competiu em patinação artística para a Suíça nos Jogos Olímpicos de 1972 no Japão. Seu pai dirigia uma companhia de seguros, e Buck achou que um dia iria assumir seu controle. Mas um conhecido da faculdade de administração ofereceu-lhe um emprego no início de 2007 no Banco Frey. O banco era minúsculo, com cerca de 20 funcionários. Buck compartilhou um escritório com quatro pessoas, incluindo a recepcionista do banco. “Nós nos dávamos muito bem”, disse ele.

O negócio girava em torno de clientes que o fundador do banco, Markus Frey, acumulou ao longo dos anos, de acordo com Buck e o testemunho judicial de outro ex-funcionário do banco. No início, não havia foco nos americanos. Então, em 2008, um terremoto legal sacudiu as bases do sistema bancário suíço. Os promotores dos Estados Unidos começaram a apresentar acusações criminais contra banqueiros e executivos que haviam criado contas para os americanos. Em 2009, o UBS, o enorme banco suíço, admitiu ter ajudado americanos a esconder dinheiro do Internal Revenue Service (IRS, a Receita Federal dos EUA) e concordou em fornecer às autoridades os nomes de seus clientes que sonegavam impostos.

Logo, os bancos suíços estavam expulsando os clientes dos EUA. Não o Banco Frey. Não tinha agências nos Estados Unidos, e os executivos não consideravam sua responsabilidade controlar se seus clientes estavam pagando impostos.

“Nós decidimos que não havia motivo para evitar manter negócios com clientes americanos”, disse Buck em uma entrevista. Os executivos consultaram especialistas legais para garantir que não se cruzassem as linhas. “Nós realmente tentamos garantir que a forma como operávamos era correta”.

Ao longo dos anos seguintes, centenas de milhões de dólares em depósitos dos EUA fluíram de bancos suíços – instituições robustas como o Credit Suisse e o Julius Baer – para o Banco Frey. O número de clientes dos EUA quase triplicou, de acordo com registros do tribunal. Até setembro de 2012, quase metade dos ativos de US$ 2,1 bilhões do banco foi mantido em benefício de contribuintes dos EUA.

Butrus era um deles. C. Richard Lucy, ex-executivo da Goldman Sachs e Bank of America em Nova York, outro. No final de 2009, o contato de Lucy no Julius Baer, onde tinha uma conta por muitos anos, disse que ele teria de transferi-lo para outro lugar. Lucy viajou para Zurique e reuniu-se em cerca de 15 bancos. Ninguém aceitaria seu dinheiro, de acordo com o testemunho no tribunal.

“Algumas vezes o nome do Banco Frey surgiu como o de um banco novo que buscava novas contas agressivamente”, ele testemunhou (Não respondeu aos pedidos de comentários).

Com certeza, quando Lucy apareceu nos escritórios do Banco Frey, Buck disse que abriria uma conta para ele. Lucy ficou impressionado com as garantias de Buck de que seu banco não tinha nada com que se preocupar com as investigações de evasão fiscal dos EUA. “Eu tinha encontrado o que estava procurando”, disse Lucy.

Lucy disse que Buck providenciou para que ele recebesse um cartão de débito com o sómbolo Matterhorn que não possuía os nomes de Banco Frey ou Lucy. Lucy foi informado de que, quando ele precisasse de dinheiro, deveria ligar para o Banco Frey e pedir que eles depositassem dinheiro no cartão de débito. E poderia usá-lo em qualquer caixa eletrônico.

Lucy queria trazer alguma documentação da conta para Nova York. Disse que Buck aconselhou-o a não levar nada com o nome do Banco Frey. (Buck nega ter dado esse conselho.) Lucy pegou um par de tesouras e cortou o nome e o logotipo do Banco Frey na papelada.

De volta a Manhattan, Lucy comprou um cartão de telefone pré-pago para suas chamadas a Zurique. Buck, que eventualmente se tornou o chefe de private banking do Banco Frey, disse que não sentiu estar fazendo nada de errado. Mesmo assim, advertiu uma cliente, Christine Warsaw, contra o envio de instruções bancárias através do serviço postal dos Estados Unidos, disse ela no tribunal.

“Nada de UPS, use o fax”, ela escreveu em uma nota para si mesma. Buck disse não ter falado a ela para evitar o envio de materiais por correio. Em 2011, era perigoso para os americanos manter seu dinheiro em contas offshore não declaradas. Um número cada vez maior de bancos estava entregando relações de clientes ao Departamento de Justiça. Se você apareceu em uma lista, os promotores poderiam persegui-lo.

Uma opção mais segura era entregar-se ao IRS através de um programa voluntário de auto revelação. Isso permitiu aos contribuintes que pagassem impostos, cooperassem com os investigadores e continuassem com suas vidas.

Butrus fechou a conta do Banco Frey e no final declarou o dinheiro ao IRS. Ela pagou seus impostos e uma dura penalidade e comprometeu-se em ajudar o IRS e procuradores. Lucy também. Em formulários de divulgação, ambos identificaram Buck como seu gerente de relacionamento.

Os promotores estavam procurando por banqueiros para serem responsabilizados. A teoria era que os banqueiros sabiam que estavam permitindo que os americanos violassem a lei e, portanto, eram parte de uma conspiração para fraudar o governo dos EUA. Os procuradores voltaram-se para indivíduos, incluindo Butrus e Lucy.

Até 2013, mais de 20 funcionários das instituições financeiras suíças foram acusados criminalmente. Pelo menos uns dez declararam-se culpados e receberam uma multa, liberdade condicional ou ambos. Muitos deles refugiaram-se na Suíça, que se recusou a extraditar seus cidadãos para os Estados Unidos por ações que não eram ilegais na Suíça. Nenhum jamais tinha realmente ido a julgamento.

Às 5 horas, de uma manhã de abril de 2013, Buck foi acordado por um telefonema. O executivo-chefe do Banco Frey estava na linha. “Veja a Bloomberg”, Buck lembra do que lhe foi dito, referindo-se ao serviço de notícias de negócios. “Estou dormindo”, Buck disse ter respondido. “Faça isso agora”, ordenou seu chefe. Buck puxou o celular. Lá estava: um artigo dizendo que ele havia sido indiciado.

Aterrorizado, Buck esquivou-se da acusação. O indiciamento deixou claro que seus antigos clientes estavam prestando ajuda ao governo. “Foi surreal”, disse Buck.

Buck, então com 32 anos e solteiro, foi ao trabalho, para entregar seu cartão de identidade e celular. Foi colocado em férias remuneradas; o banco cobriria suas despesas legais. Buck passou meses avaliando suas opções. Poderia declarar-se culpado e ser processado. Poderia passar o resto de sua vida na Suíça, que não o extraditaria. Ou lutar contra as acusações. Essa terceira estrada era perigosa. Se Buck ganhasse no julgamento, sairia livre – e a luta do Departamento de Justiça contra os banqueiros que possibilitam a evasão fiscal receberia um sério golpe. Se perdesse, encararia até cinco anos de prisão.

Em outubro de 2014, um dos principais executivos do UBS, Raoul Weil, foi a julgamento na Flórida. Procuradores federais o acusaram de ajudar os clientes a esconder bilhões. Os advogados de Weil argumentaram que não tinha conhecimento nem responsabilidade pelo que aconteceu. O júri deliberou por apenas uma hora antes de absolvê-lo.

Na mesma semana, um júri de Los Angeles absolveu um banqueiro israelense que enfrentou acusações similares. A busca dos banqueiros estrangeiros pelos americanos já não parecia invencível. Alguns meses depois, em uma manhã nublada de janeiro de 2015, Buck esquiava com amigos nos Alpes suíços. Acima da linha das árvores, eles começaram sua descida.

Um sinal na encosta marcava a fronteira entre França e Suíça. Buck percebeu que estava cruzando uma fronteira internacional – e isso significava que teoricamente poderia ser apanhado em um mandado de prisão dos EUA na França. “Eu estava apavorado”, disse Buck.

Disse a seus amigos que continuassem sem ele. Arrancou os esquis, avançou a inclinação e esquiou para o lado suíço da montanha. Buck deu-se conta de que não podia passar o resto de sua vida com medo de cruzar uma fronteira. “Não havia como só ficar na Suíça”, disse ele. Buck disse a seu advogado, Marc A. Agnifilo, que queria seu dia no tribunal.

Em 9 de novembro de 2016, Buck embarcou em um voo para Nova York. Passou as duas noites anteriores com medo de dormir. Agnifilo havia negociado com os promotores de Manhattan para deixar Buck sair sob fiança quando chegasse. O problema era que ele teria que ficar nos Estados Unidos, com seu passaporte confiscado, até o julgamento.

“Você tem alguma ideia quando eu vou voltar?”, perguntou a Agnifilo. “Não”, respondeu o advogado. “Por sorte você não tem um gato que precise alimentar.”

Um agente do IRS recebeu Buck quando ele saiu do avião em Nova York. Ele teve suas impressões digitais registradas, foi fotografado, algemado e conduzido a uma prisão ao lado da Ponte do Brooklyn. Passou a noite com um colega de cela, cujo fundo de hedge havia sido invadido naquela manhã por agentes com metralhadoras.

No dia seguinte, Buck declarou inocência e foi libertado sob fiança. Ele se mudou para um apartamento do Upper East Side, pago pelo Banco Frey, que então já havia encerrado suas operações, e seu modelo de negócios aparentemente havia virado fumaça.

Passaram-se meses até que o julgamento fosse marcado.

Buck aproveitou ao máximo o tempo livre. Treinou no Central Park para a Maratona da Cidade de Nova York. Tornou-se fã dos Yankees. No Ano Novo, foi para Miami com amigos. Como não tinha carteira de identidade, não podia voar; em vez disso, passou 33 horas em um ônibus da Greyhound. “Para ele, tudo é uma aventura”, disse Agnifilo.

O julgamento de Buck começou em outubro. Os promotores o marcaram como uma engrenagem crucial em um esquema internacional de evasão fiscal. Agnifilo decidiu que Buck não deveria prestar depoimento. Enquanto o réu estivesse confiante de sua inocência, o interrogatório prometia ser brutal. E o inglês de Buck era imperfeito.

Os juízes ouviram falar de um desfile de antigos clientes de Buck, incluindo Butrus e Lucy. Eles testemunharam que Buck e o Banco Frey tinham sido fundamentais para permitir que eles sonegassem impostos.

“Não queríamos que ninguém, especialmente o IRS, descobrisse que tínhamos conta na época”, declarou Butrus. Os promotores disseram que toda atmosfera de mistério – os cartões de débito sem nome, a papelada do banco cortada com tesoura, os sombrios telefonemas – mostraram que Buck sabia que era errado o que estava fazendo. “Estas são técnicas usadas por uma pessoa que tenta evitar ser pega, e não por uma pessoa que pensa que ele está operando legalmente”, disse Sarah E. Paul, assistente do procurador dos EUA, perto do final do julgamento.

Então foi a vez de Agnifilo.

“No centro da cena do crime, há um americano com uma caneta”, ele disse. “Stefan Buck não tem nada, nada a ver com a escolha que um contribuinte americano faz” para não declarar ativos offshore. Agnifilo disse que o fato de Buck ir aos Estados Unidos, em vez de permanecer na Suíça, confirmou que não tinha nada a esconder. “Deixem o Sr. Buck voltar para a Suíça”, ele terminou.

Foi uma performance comovente. “Estou próximo das lágrimas pela primeira vez em 25 anos”, escreveu Buck em uma nota que entregou aos seus advogados. O juiz, Jed S. Rakoff, também ficou impressionado. “Eu sabia que você era um orador poderoso”, disse a Agnifilo depois que o júri saiu, “mas você superou todos os limites”.

O júri deliberou um pouco mais de um dia. No dia 21 de novembro, Buck estava sentado em um banheiro no banheiro do tribunal quando o veredicto chegou. Ele se dirigiu para a sala do tribunal. O júri arquivou e entregou o veredicto: inocente.

Depois, Buck falou com os jurados no corredor – a primeira vez que ouviram sua voz. “Feliz Dia de Ação de Graças”, disse a eles.

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